Crítica: “A Música da Minha Vida”

Durante os anos de 1980, o Reino Unido passou por uma das piores crises financeiras de sua história recente. Neste período, apesar da recuperação econômica após a Guerra das Malvinas, o país se via com uma população de aproximadamente 3.000.000 de desempregados, e apesar das promessas do governo Thatcher, as medidas foram pouco efetivas. O governo só conseguiria reverter a situação por volta de 1988, momento em que a taxa de desempregados começa a cair constantemente.

É nesse período conturbado que o jornalista Sarfraz Manzoor vai viver a maior parte de sua adolescência. Nascido em 1971, no Paquistão, emigrou com sua família para a Inglaterra em 1974, para enfrentar toda a convulsão social e econômica do Reino Unido durante a década de 1980 – e sendo imigrante, viveu numa situação mais agravada. Curiosamente, o ainda não jornalista Manzoor iria encontrar inspiração para sua carreira futura e refúgio dos problemas da época em uma fonte inesperada: Bruce Springsteen.

“A Música da Minha Vida” (Blinded by the Light) é inspirado neste momento tanto da história da Inglaterra, quanto da vida de Manzoor. Dirigido pela indo-queniana Gurinder Chadha – que apesar de pouco conhecida aqui no Brasil tem uma considerável carreira cinematográfica – o filme segue a história de Javed Khan (Viveik Kalra), personagem inspirado em Manzoor, durante o ano de 1987, quando este desperta para o mundo da escrita, e como as músicas de Bruce Springsteen viriam a influenciá-lo.

É muito interessante ver uma produção que dá uma grande ênfase ao processo criativo, que não trata como algo de genialidade intocável pela maioria dos homens, mas sim como algo que nasce da prática constante e do estudo. A escrita de Javed é aprimorada durante a narrativa, tanto conforme ele descobre e se inspira em Bruce Springsteen, tanto com a prática constante e seus estudos escolares.

Um aspecto também cativante é a jornada do escritor não na arte, mas na vida, em seu contexto social e familiar. O conflito central entre pai e filho é comum na ficção, no entanto, por mais que soe clichê, isto é comum entre gerações – e particularmente quando um filho tenta enveredar por carreiras artísticas e sua família tem vistas conservadoras sobre o que é trabalho ou não.

Porém apesar dos conflitos serem reais todos se resolvem de maneira fácil, quando seria esperado que talvez levassem muito mais tempo para isso, deixando sequelas perenes – isso quando se resolvessem. Além disso, o filme tenta abordar o conflito de Javed e sua família com o crescente neo-nazismo e o preconceito geral da sociedade, porém a maneira não é cuidadosa e pontual demais.

Fiel à ideia de dramédia, os personagens oscilam entre cenas dramáticas e cômicas. E nas sequências dramáticas, consegue trazer um retrato instigante dos dramas, em especial do pai de Javed e sua situação de desemprego em um mundo em crise. Por sua vez, quando a obra envereda por parte cômicas, os personagens chegam a ser caricatos, e nem sempre isso trabalha em favor da trama.

As atuações são medianas, nada espetacular. Viveik Kalra está em seu primeiro papel cinematográfico e tem uma interpretação decente. Com certeza, um ator com grande potencial.

No departamento de músicas, no entanto, é onde está o grande brilho do filme. Mesmo que usando de maneira constante as músicas de Springsteen, sejam elas na forma original ou arranjadas, ele não se torna enjoativo, muito pelo contrário, é uma forma excelente de introdução à obra do músico americano.

“A Música da Minha Vida” no geral é um musical divertido, e é aconselhável assisti-lo para nos lembrarmos dos problemas que o mundo passa, e que ainda assim, podemos encontrar sempre amparo na arte.

por Ícaro Marques – especial para A Toupeira

Filed in: Cinema

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