Crítica: “De quem é o sutiã?”

A carreira de maquinista de trens de carga pode ser bem solitária: sozinho dentro da locomotiva, indo de um lugar a outro, às vezes centenas de quilômetros de distância, com esporádico contato humano somente por rádio, ou ocasionalmente em alguma parada.

Assim é a vida de Nurlan (Predrag Manojlovic), um maquinista azeri, responsável por levar cargas até a cidade de Baku. Em sua viagem final antes da aposentadoria, ao passar em uma comunidade mais pobre da cidade, seu trem atropela um varal posto sobre a linha e um sutiã fica preso no engate do trem. Para fugir de sua solidão, Nurlan decide, agora que se aposentou, procurar pela dona da roupa íntima, porém em sua procura, encontrará mais que isso.

Essa é a trama de “De quem é o sutiã?” (The Bra), novo filme de Veit Helmer. O filme é um dos vários do diretor alemão a retratar a realidade dos países pós-soviéticos na Ásia, como Uzbequistão, Geórgia, e, neste caso, Cazaquistão, dando um olhar único sobre a região, em particular a beleza das suas paisagens.

Outra marca importante da filmografia do diretor é sua forma de narrativa não-verbal. Em particular nos enquadramentos que expandem e descrevem a situação dos personagens – no caso de “De quem é o sutiã?” grandes panorâmicas com elementos humanos extremamente diminutos em relação à majestosa paisagem, ou zooms que apenas apresentam um personagem, no máximo dois, e neste filme não usando diálogo algum, comportando-se quase como um filme de Chaplin.

O longa tem mais em comum, no entanto, com títulos de Charles Chaplin, do que apenas a falta de diálogo: a forma da comédia. A apresentada na produção é um pastelão digno dos filmes mudos do diretor britânico. Para os fãs do cineasta, fará muito sentido como uma releitura do estilo para os dias modernos, de forma que até em suas partes mais sérias trazem elementos de sua filmografia tardia.

Ainda assim, uma coisa que pode ser incômoda para alguns, é o fato das partes cômicas não se encaixarem muito bem às mais sérias. A distonia entre o primeiro ato – de tom sério, onde somos expostos à rotina de Nurlan, uma realidade vazia e solitária, que mesmo em seu vilarejo natal está à parte dos outros – e o segundo, mais cômico, quando o personagem começa a procura pela dona da peça de roupa íntima, é gritante, sendo que a comédia poderá parecer sem lugar para o clima estabelecido anteriormente.

À parte deste menor problema, deve-se elogiar a atuação dos atores. Todos conseguem oferecer uma narrativa expressiva única sem usar palavras, de uma maneira muito teatral, um traço importante dos filmes mudos. Predrag Manojlovic é quem mais merece elogios, afinal sustentar um filme inteiro apenas com expressões faciais, e no máximo murmúrios, é uma arte que poucos hoje controlam.

Apesar da distonia em drama e comédia, “De quem é o sutiã?” é uma comédia interessante, que deve conquistar quem gosta de filmes menos comerciais e comédias pastelão, além de que poderá ser um prato cheio para os fãs das antigas comédias mudas como as de Chaplin e Buster Keaton.

por Ícaro Marques – especial para A Toupeira

*Filme assistido durante Cabine de Imprensa promovida pela Pandora Filmes.

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