Crítica: “Galeria Futuro”

Três amigos que vêm de uma geração que conseguia viver tranquilamente com a perspectiva de ter um celular que não fizesse nada além de ligações; com a satisfação que era encontrar um disputado lançamento na prateleira da locadora de vídeo; com a espera de, no mínimo, uma hora, para revelar seu rolo de filme fotográfico e descobrir se as 36 (37, com sorte!) fotos da festa de aniversário tinham ficado boas; com a simplicidade de um número de mágica que não precisava de mais do que um lenço de pano e habilidade das mãos.

Esses são os protagonistas de “Galeria Futuro”, comédia nacional dirigida por Fernando Sanches e Afonso Poyart (que também assinam o roteiro junto a Pablo Padilla, Cristiano Gualda, Matheus Souza e Ana Beatriz Crespo), que acerta ao equilibrar nostalgia e modernidade em uma história que tem elementos atrativos para diferentes gerações.

Valentim (Marcelo Serrado), Kodak (Otávio Müller) e Eddie (Aílton Graça) são amigos desde a saudosa infância vivida entre os anos 1970 e 1980. Agora, adultos, seguem tendo em comum o amor pela decadente galeria do título do filme, localizada no bairro de Copacabana, no Rio de Janeiro, e que há muito tempo deixou de fazer jus ao nome.

O futuro não faz parte das lojas que tentam sobreviver no estabelecimento, entre elas, uma locadora de vídeo, um laboratório de revelação fotográfica e um quiosque de mágicas amadoras. Ao mesmo tempo em que se encontram falidos, a nostalgia de uma época tão diferente, e que às vezes parece ter acontecido há muito mais tempo do que o real, impede os comerciantes de continuar em frente.

Quando suas monótonas (seguras?) rotinas são postas à prova com a iminente venda e transformação da galeria em uma igreja evangélica, algo improvável acontece: a descoberta de 50 quilos de drogas – acondicionadas em um baú desde a década de 1960 – e à inesperada possibilidade de conseguir arrecadar o dinheiro para quitar as dívidas existentes e assegurar a manutenção do comércio.

O que poderia ser um grande impasse sobre ética – afinal, traficar drogas ilícitas não é algo que se faça corriqueiramente – acaba se transformando na base das melhores cenas da produção, que incluem mostrar o que acontece no cérebro dos usuários do desconhecido alucinógeno nomeado como TH (sigla cuja explicação é muito divertida), com “viagens” que vão da ambição pela fama à revelação de desejos secretos com a mãe de alguém próximo.

Juntam-se ao trio nessa missão: a manicure Paula (Luciana Paes) – nova comerciante da galeria e vice-campeã de um reality show de qualidade duvidosa, que investiu todo seu dinheiro em um salão de beleza; e Dudu (Taumaturgo Ferreira), proprietário de uma loja de discos de vinil, que conseguiu transformar o “ultrapassado” em “vintage”, através de lives em redes sociais e vendas on line.

Até que o sucesso imediato dos personagens no mercado ilegal de drogas chega aos ouvidos do traficante que domina a região, Mesbla (Milhem Cortaz) – cujo nome me fez voltar à época em que frequentava a loja de departamentos homônima, quando criança – e, mais do que salvar suas lojas, eles passam a ter que tentar preservar suas próprias vidas.

O público que estiver mais próximo da geração dos protagonistas deve se divertir com as ótimas citações a filmes como “Esqueceram de Mim”, “Matrix” e “Kill Bill – Volume 1”, além de ter sua “glândula de saudade” ativada ao rever máquinas fotográficas analógicas e celulares cuja maior inovação era o “Jogo da Cobrinha”.

“Galeria Futuro” surpreende pela facilidade com que faz rir, através de momentos propositalmente exagerados, seja na ótima atuação do elenco ou na perspicaz utilização dos mais diversos elementos cenográficos. Assim como provoca pertinentes questionamentos sobre a qualidade de vida em uma sociedade na qual as coisas / pessoas tornam-se ultrapassadas aos olhos dos outros em velocidade crescente.

Vale conferir.

por Angela Debellis

*Título assistido em Cabine de Imprensa Virtual promovida pela H2O Films.

Filed in: Cinema

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