Crítica: “Loucos Por Justiça”

Filme policial e dramático, com inúmeros elementos, situações, personagens, vínculos. Inicia-se de um modo delicado, principalmente pela fotografia (Kasper Tuxen), o ritmo (edição de Nicolaj Danielsen e Anders A. Kristiansen) e a música (escolhida por Jeppe Kaas). E progride como relato cuidadoso, da mão do diretor e roteirista Anders Thomas Jensen. Porém, depois vai adentrar (ou esbarrar parcialmente?) em violência cruel e exageros. No final, recompõe-se e fecha de maneira exata e igualmente tenra.

Considerando outro ângulo de abordagem: há cenas e sequências de cinema puro, onde a sucessão de imagens sem palavras, dá lugar a que o espectador, sozinho, consiga deduzir, entender o que está acontecendo.

É sabido que todo filme se monta com imagens. No entanto, também – e, eventualmente, sobretudo –, na cabeça do espectador. Neste caso, nos autopercebemos assistindo a “Loucos Por Justiça” (Riders of Justice): não apenas vendo as imagens, mas unindo-as em nossa mente. E essa montagem mental, derivada da montagem do longa, neste caso em particular, se dá em diversas velocidades, momentos e perspectivas: vinculando uma cena (ou situação) com a seguinte; ou uma cena com outra mais distante em tempo e lugar (sequência). Até chegar ao final, onde há um casamento perfeito com o início. O diretor, Anders T. Jensen, consegue isso com muita competência.

Além de tudo o anteriormente descrito, o relato flui. Talvez uma das poucas objeções seja que tem diversos tons: passa do romântico ao policial, progressivamente violento; do sério ao excêntrico e, por momentos, quase ridículo. Essas oscilações podem ser comparadas a uma “montanha russa” de um parque de diversões e, de certo modo, podem ser entendidas como um defeito, porém, por outro lado podem ser interpretadas como quebras de um tom único, que seria redundante ou monótono.

Se nos referimos aos conteúdos, há muitos, e bem trabalhados: a morte, a vingança, o sentido ou sem-sentido dos atos dos principais personagens, a fé religiosa ou o ateísmo, as paixões, os impulsos, o amor, o ódio. Outros temas, mais vinculados com os demais personagens: o valor das estatísticas para entender sucessos, o papel da tecnologia no mundo atual, etc.

Há muita riqueza conceitual em cada um dos fatores antes mencionados. Com relação às coincidências se narra uma lenda ucraniana muito ilustrativa, porque contradiz o sentido e interpretação habitual – aquilo que Carl Jung, o célebre analista suíço, ensinava e que, assim mesmo, aparece muitas vezes em interpretações cotidianas, não tão teóricas. O aleatório também é trabalhado de forma interessante – por exemplo, quando a filha do chefão de uma gangue mostra para ele um vídeo típico de adolescentes, que vai ser pista fundamental para os brutais planos que estão sendo tecidos. Ou, também, quando há assassinatos com alvos parcialmente errados.

Parágrafo à parte para o que tem a ver com psicologia: os perfis dos personagens têm muita elaboração. Às vezes até com exageros de comportamento: o pai da adolescente coprotagonista é um militar excessivamente violento; os “hackers” são exóticos até chegar a extremos de infantilidade, misturados com habilidade técnica e operacional e com autêntica violência física e conceitual. Porém, como dito, o resultado final consegue bom delineamento de cada um deles. Até aparece a figura, o papel, a importância e necessidade de um acompanhamento terapêutico das pessoas.

Embora tenha todos esses elementos, a produção pode ser acompanhada sem maiores problemas. Resulta claro no desenrolar e nas colocações que faz. O final tem uma carga emocional muito elevada e se condiz com a apertura, produzindo uma simetria comovente.

“Loucos Por Justiça”, filme dinamarquês com colaborações diversas, além de seus méritos próprios confirma que não temos que ter preconceitos, apreensões nem dúvidas: podemos assistir a obras das mais variadas origens que não seremos defraudados. Até porque, como se pode conferir em críticas publicadas neste site, a direção, roteiro, atuações e os itens técnicos (fotografia, edição, música e outros) hoje estão em um patamar muito elevado nos mais diversos países. Por tal motivo, produções da América, Europa oriental ou ocidental, Ásia, Oceania, quando bem concebidas e executadas, não surpreendem enquanto a sua elevada qualidade. Isso, quando podemos escolher e ver – ainda neste período de tantas limitações.

Viva a emoção cinematográfica! Viva o cinema de todas as latitudes! Viva o cinema!

por Tomás Allen – especial para A Toupeira

*Disponível para compra e aluguel na Claro Now, Vivo Play, Sky Play, iTunes/Apple Tv, Google Play e YouTube Filmes.

**Título assistido via streaming, a convite da Synapse Distribution.

 

Filed in: BD, DVD, Digital

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