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Crítica: “A Forma da Água”

Desde sempre, a realidade é o maior palco para as mudanças que acontecem no mundo. E os tempos atuais, nos mostram que tais metamorfoses agarram-se cada vez mais a elementos julgados seguros, afinal, poucos têm a coragem de encarar algo novo sem o embasamento de outros que o cercam.

Hoje, apesar de tudo, são muitos os que julgam ter voz perante à sociedade, mas nem todos saber dar bom uso a ela. O que faz pensar até que ponto essa ‘guerra moral’ –  metafórica ou realisticamente falando – é mesmo tão necessária para que consigamos explanar nossos sentimentos de maneira adequada.

Elisa Esposito (Sally Hawkins resplandecente em tela), a protagonista de “A Forma da Água” (The Shape of Water) é muda, no sentido físico da expressão. Em 123 minutos de duração do filme dirigido por Guillermo del Toro, não ouvimos uma palavra saída de seus lábios e ainda assim, esta é uma das personagens mais expressivas que imagino já ter visto no cinema. Através de gestos, olhares e de seu profundo (e em certos momentos dolorido) silêncio, conseguimos nos conectar a ela, à sua história e nos pegamos involuntariamente torcendo por um improvável – mas desejado – final feliz.

A trama com viés que transita entre o fantástico, o drama e o romance, se passa nos anos de 1960, em pleno período de Guerra Fria, e nos apresenta a rotina maçante de Elisa, que trabalha como faxineira noturna em um laboratório do governo. Órfã desde criança, a jovem tem em seu vizinho Giles (Richard Jenkins, em papel repleto de camadas surpreendentes) e em sua colega de trabalho Zelda (Octavia Spencer, em interpretação daquelas que dá vontade de trazer a personagem para casa), os pilares de sua vida. É com eles que ela pode se abrir, neles que pode confiar e é a ajuda deles que será fundamental para que um arriscado plano, o que poderá mudar para sempre sua existência, seja posto em prática.

A ação central envolve uma criatura humanoide / anfíbio (o incrível Doug Jones, mais uma vez dando vida a uma criação de Del Toro), capturada das águas da Amazônia – onde era venerada como um deus – para virar objeto de estudo dos americanos, que pretendem usá-la como arma contra os russos. À frente dessa operação, está Richard Strickland (Michael Shannon, odioso na medida certa), chefe de segurança que abusa de seu poder profissional para parecer superior aos outros – seja ferindo o ser aquático com um instrumento de choque – em cena que me fez chorar muito – ou assediando sexualmente uma funcionária.

O envolvimento entre Elisa e a criatura é de uma delicadeza tão grande, cada pequenina atitude torna-se tão importante aos olhos do espectador, que fica difícil dizer qual o ponto exato em que os deixamos envolver pelo magnífico roteiro escrito por Del Toro e Vanessa Taylor. As cores, a riqueza dos detalhes – que fazem da água seu principal e mais bonito elemento de narração – a sublime trilha de Alexandre Desplat. Tudo parece ter sido concebido com tanto esmero, que todo componente merece ser exaltado.

Engana-se quem pensa que a relação do casal é a única coisa sólida na narrativa. Cada personagem tem sua história particular e nelas há a inserção de assuntos pungentes que, infelizmente, ainda têm força na sociedade: o machismo, o homossexualismo, o racismo, a dificuldade em se estabelecer no mercado após certa idade. E até mesmo a solidão que parece ter se tornado um elemento tão trivial na vida de tantas pessoas.

Indicado a 13 categorias no Oscar, entre elas Melhor Filme, Melhor Diretor e Melhor Atriz, o longa já chega vitorioso em várias premiações, incluindo o Leão de Ouro em Veneza em 2017. E sinceramente? Faz jus a cada uma delas.

Falar qualquer coisa, além disso, seria desmerecer a experiência de acompanhar essa obra-prima em forma de filme. Abra sua mente, seu coração e não deixe de ir ao cinema.

Imperdível.

por Angela Debellis

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