Eu sou Homem com H! E com H sou muito Homem!
Em certo ponto de “Homem com H”, Ney Matogrosso diz: “O palco é minha fantasia, válvula de escape, onde ponho uma máscara para extravasar, onde tento desreprimir as pessoas e eu também”. Tal citação resume com louvor o que se vê na cinebiografia de um dos maiores nomes da música brasileira.
Escrito e dirigido por Esmir Filho, o longa leva às telas, sem nenhum tipo de amarra moral, a trajetória de Ney Matogrosso (interpretado por Jesuíta Barbosa). Com esse senso de urgente liberdade, somos conduzidos por 121 minutos, em uma viagem regada a amores, descobertas, dores e escolhas. Mas, acima de tudo, amor-próprio.
Ouça-me bem, amor… Preste atenção, o mundo é um moinho… Vai triturar teus sonhos, tão mesquinho, vai reduzir as ilusões a pó
Acompanhamos sua infância – período no qual seu pai, Antônio (Rômulo Braga), acreditava que castigos físicos seriam a solução para resolver questões que ele julgava impróprias, em se tratando da educação e comportamento do filho de um respeitado membro da Aeronáutica brasileira.
E o conturbado período da adolescência, quando, aos 18 anos, assume sua sexualidade e, apesar de contar com o irrestrito amor e incentivo da mãe Beíta (Hermila Guedes), decide sair de casa em Campo Grande – Matogrosso do Sul, em direção ao Rio de Janeiro, a fim de seguir a mesma carreira que seu genitor (mais como uma afronta, do que uma vocação).
Mas se você achar que eu tô derrotado, saiba que ainda estão rolando os dados… Porque o tempo, o tempo não para…
Longe das limitações impostas pelo rigor do pai, o jovem pode, finalmente, ser quem ele é, de uma vez por todas. E disso não abrirá mão, por nada, nem por ninguém. O que o leva a deixar para trás relacionamentos (consumados ou platônicos) e a assumir riscos profissionais que poderiam alçá-lo ao topo do sucesso ou condená-lo ao ostracismo.
Artista de corpo e alma, Ney sonhava em ser ator. Dono de uma voz única – e que segue belíssima, mesmo após décadas do início de suas atividades – ele acaba entendendo: estar no palco era o que importava, bem como era possível unir voz e expressão corporal, para tornar-se ainda mais completo.
E lá no fundo azul, na noite da floresta… A lua iluminou a dança, a roda, a festa!
O que ganha uma nova dimensão quando assume os vocais do recém-formado grupo “Secos & Molhados”, ao lado de João Ricardo (Mauro Soares) e Gerson Conrad (Jeff Lyrio), que, mesmo com uma carreira tão curta, de apenas dois anos (de 1973 a 1974), marcou seu nome na indústria musical do Brasil.
Com a carreira solo escolhida e estabelecida, o cantor mostra-se uma potência necessária no embate contra a censura da época e o preconceito que, embora explícito, perde força diante de seu reconhecimento por fãs de todos os gêneros e orientações.
Todo dia é dia… Tudo em nome do amor… Ah, essa é a vida que eu quis!
Também potente é sua vida pessoal / amorosa, que dentre inúmeros encontros e desencontros, é marcada pela perda de Cazuza (Jullio Reis), com quem viveu um intenso relacionamento de quatro meses (e de quem foi amigo até a morte do cantor em 1990). E pela partida do médico Marco De Maria (Bruno Montaleone), seu companheiro por treze anos.
A trilha sonora (da melhor qualidade, obviamente) é formada por canções de vários artistas, que tiveram versões gravadas por Ney Matogrosso. Do icônico forró composto pela dupla paraibana Antônio Barros e Cecéu e que dá nome ao filme, à contagiante “Pro dia nascer feliz” – um convite irresistível escrito por Cazuza -, são dezessete faixas que se tornam peças fundamentais para ajudar a contar uma história tão rica e diversa.
Jesuíta Barbosa impressiona pela entrega ao papel. Auxiliado por um figurino exuberante (que inclui peças originais de apresentações memoráveis) e por um trabalho de maquiagem impecável – em especial nas sequências em que Ney usava tal artifício como se fosse uma máscara – o ator brilha em cada pequeno momento de “Homem com H”.
Mais louco é quem me diz… E não é feliz… Eu sou feliz!
Numa época em que tantos buscam por uma inexplicável semelhança coletiva – seja em termos visuais, de atitudes ou pensamentos – é, de fato, gratificante ouvir a declaração do cantor durante uma recente Coletiva de Imprensa, quando afirmou não ter arrependimentos em sua vida.
É preciso coragem para ser diferente. E, após o acender das luzes na sala de cinema, pudemos comprovar o que muitos já sabiam: Coragem é algo que Ney Matogrosso tem de sobra.
por Angela Debellis
*Título assistido em Cabine de Imprensa promovida pela Paris Filmes.
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