Crítica: “A Cor Púrpura”

Lançado originalmente como um livro em 1982 e escrito por Alice Walker, “A Cor Púrpura” (The Color Purple) trata-se de uma história que visa retratar as experiências afro-americanas vividas no início do século XX. Desde seu lançamento, a obra literária foi aclamada pela crítica norte-americana, tanto que, em 1983, recebeu o prêmio Pulitzer.

Tamanha notoriedade não passaria despercebida por Hollywood, e apenas três anos após seu lançamento, a obra já ganharia sua adaptação cinematográfica dirigida por Steven Spielberg e protagonizada por Whoopi Goldberg.

No entanto, críticos e ativistas do movimento negro contemporâneo apontam imprecisões e até mesmo o reforço de estereótipos considerados racistas na forma como alguns personagens negros são retratados ao longo da adaptação.

Justamente por essas observações, “A Cor Púrpura” de 2023 chega aos cinemas visando trazer uma perspectiva de um diretor negro para esta obra de tanta importância, tanto para as lutas étnicas, quanto para questões de gênero.

Na trama, acompanhamos Celie (interpretada por Phylicia Pearl Mpasi e Fantasia Barrino, em diferentes fases), uma garota de 14 anos que sofre constantes abusos do pai, chegando a ter dois filhos dele. A garota acaba sendo obrigada a se casar com um homem abusivo conhecido como Mister (Colman Domingo / Louis Gossett Jr.), e testemunhamos, pelos olhos da protagonista, uma série de abusos e julgamentos que diferentes mulheres negras enfrentam ao longo de suas vidas.

A narrativa escancara o racismo, o machismo, a dor e o sofrimento, mas também semeia uma esperança que desabrocha gradualmente conforme a história avança.

Diferente da versão de 1985, a película magistralmente conduzida pelo diretor ganense Blitz Bazawule baseia-se no musical produzido em 2005. Sendo assim, esta adaptação possui contornos muito mais teatrais para fazer a transição entre as falas e as músicas de forma mais natural.

Infelizmente, esse processo nem sempre ocorre de forma satisfatória, com algumas mudanças bruscas que, vez ou outra, quebram a imersão do espectador no longa, especialmente em cenas de teor dramático seguidas por performances com dançarinos.

Por sorte, esses casos são isolados e não prejudicam em nada a atuação impecável do elenco, com destaque para Danielle Brooks no papel de Sofia, uma mulher forte que passa por uma dura curva de eventos, mudando sua postura ao longo da trama. Brooks consegue transmitir cada um desses momentos da personagem com perfeição, não sendo por acaso que essa atuação rendeu uma indicação ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante.

Quando falamos em musicais, é inevitável analisar suas canções. Em “A Cor Púrpura”, as letras são impactantes e complementam perfeitamente os momentos em prosa dos personagens. Cada cena musical está presente na montagem com o propósito de avançar a narrativa, não havendo números musicais gratuitos. Mesmo sendo uma história de época, o filme consegue manter uma trilha sonora eclética, flertando com Jazz, Blues, Country e, principalmente, Gospel, afinal, é a temática religiosa que o nomeia.

Um elemento curioso a ser destacado são as escolhas para a retratação dos cenários. Enquanto espaços fechados assumem a inspiração teatral do longa – construindo ambientes que realmente parecem palcos – paisagens abertas buscam retratar as áreas de forma realista.

Combinado com a escolha do figurino das personagens, que em sua maioria representa com fidelidade as vestimentas utilizadas no início do século XX no sul dos Estados Unidos. As exceções ocorrem em cenas mais oníricas, que retratam pensamentos e sonhos, ou em momentos em que o foco está na personagem Shug Avery (Taraji P. Henson), que, por ser uma artista, sempre traz o espetáculo à tela quando está presente.

Em linhas gerais, é um filme que vale a pena ser assistido no cinema, sendo uma produção que se apropria dos elementos únicos que apenas uma tela grande e um som ambiente são capazes de proporcionar. Com atuações incríveis, uma trama tocante e músicas maravilhosas, o longa consegue cativar e arrancar lágrimas até dos espectadores que não são apreciadores de musicais.

Independentemente do resultado da premiação do Oscar de 2024, “A Cor Púrpura” merece cada uma de suas indicações e consegue ser ainda mais poderoso do que sua contraparte lançada há 39 anos.

por Marcel Melinsk – especial para A Toupeira

*Título assistido em Cabine de Imprensa promovida pela Warner Bros. Pictures.

Filed in: Cinema

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