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Crítica: “Assassinato em Sparrow Creek”

Milícias. Não importa em que país estejam, elas representam um grave problema, das FARC na Colômbia, aos mais radicais “preppers” americanos.

Embora existam milícias de vários alinhamentos políticos de um extremo a outro do espectro, nestes dias a ascensão das de extrema direita está se tornando marcante nos EUA. Grupos que a cada dia nos últimos anos vêm se tornando mais ousados, como no caso do estado de Michigan, onde treze homens de uma destas foram presos numa conspiração para sequestrar a governadora Gretchen Whitmer. É impossível ignorar o problema que elas estão se tornando, uma vez que um ataque ao Capitólio – sede do senado norte-americano – como o do começo deste ano, pode acontecer.

“Assassinato em Sparrow Creek” (The Standoff at Sparrow Creek) apresenta a volatilidade interna de um desses grupos, onde pessoas de diferentes vivências, idades e trabalhos, se veem unidas na causa comum da preservação daquilo que eles acreditam ser a identidade americana – ou seja, branca, protestante e libertária, na maioria – e na crença que o colapso social esteja a um passo de acontecer – nem que tenham que causá-lo – e que sobreviverão a qualquer custo esta catástrofe.

A trama se passa no Michigan – ironicamente, as filmagens e pós-produção ocorreram antes do atentado real citado antes – onde um massacre num funeral de policial ocorre, e suspeitas recaem sobre a milícia local, em particular para Gannon (James Badge Dale), policial aposentado e hoje membro desta, que crê que um dos outros sejam os verdadeiros culpados, e que todos cairão com ele. Resta descobrir o perpetrador, e jogá-lo para a polícia antes que o grupo inteiro vá pelo ralo.

O clima do filme do começo ao fim é tenso. A suspeita no ar, a desconfiança mútua, os álibis frágeis, e a possibilidade de um infiltrado, fazem com que tensões no grupo comecem a vir à tona. Isso somado com a sensação de claustrofobia causada pelo ambiente, dá um tom único à trama, que em muitos suspenses chega a falhar.

O clima, no entanto, se deve na maior parte à fotografia cujo diretor Jackson Hunt fez um trabalho tão impressionante que, mesmo se a trama não fosse tensa, carregaria este aspecto sozinha.

Em primeiro lugar, pouquíssimas cenas usam luz que não seja natural de lanternas ou lâmpadas; em segundo, os ângulos das tomadas internas, mesmo nas enormes salas da madeireira onde o filme inteiro se passa, dão a impressão de algo diminuto apertado, e a soma destes dois elementos que criam a sensação de claustrofobia tão fundamental. Por fim, a narrativa visual é impressionante, e sem ela, a história não teria o mesmo impacto.

Outra coisa que torna o longa mais tenso é a quase completa ausência de trilha sonora, se apoiando apenas nos sons ambientes. Existem vários motivos que levem a este fenômeno, mas dentre eles pode-se citar: a própria falta de música é algo anômalo no cinema, sendo que os raros exemplos são longos trechos sem o fundo sonoro. Assim sendo, não existem deixas musicais para saber o que haverá em seguida, e torna tudo mais imprevisível; e por fim o próprio som do ambiente, numa noite silenciosa, com os rangidos das estruturas, dos passos, do mover de um móvel ou cair de um objeto.

A atuação também está na média. James Badge Dale como Gannon mostra grande talento no papel de um homem de lealdades divididas, e suas mudanças de ânimo são bem representadas. Chris Mulkey caiu como uma luva para a figura do chefe pragmático e forte, que não aceita desafios – A título de curiosidade, seu personagem lembra um tanto o que encenou na série “Twin Peaks”: um chefe de um grupo criminoso, durão e que faria de tudo para sair por cima, particularmente se for pisando por cima de alguém. E ainda que estes dois sejam os mais marcantes, Patrick Fischler se sai perfeitamente no papel do membro paranoico do grupo.

Um dos pontos negativos é que a trama em si tem alguns buracos, algo que seria comum, mas que neste caso quando aparecem são bem visíveis, e para um espectador mais atento acabará por causar certa confusão ou incômodo.

Ainda assim, “Assassinato em Sparrow Creek” (que estreia no Cinema Virtual) impressiona como suspense: em momento nenhum a trama expõe sua verdadeira natureza, a tensão é constante, e as apostas são altas. Muito recomendado para fãs e espectadores casuais de thrillers.

por Ícaro Marques – especial para A Toupeira

*Título assistido via streaming, a convite da Elite Filmes.

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