Existe uma (antiga, diga-se de passagem) brincadeira infantil chamada “Telefone sem fio”, na qual uma sentença qualquer é dita no ouvido de seu colega ao lado, que por sua vez deverá dizer o que escutou ao jogador seguinte, até o círculo de participantes ter se completado, quando o último revelará em voz alta o que presume ser o correto.
Na maior parte das vezes, o que se tem ao término da recreação, é uma frase bem diferente daquela que a iniciou, porque cada pessoa tem uma habilidade distinta para prestar atenção ao que é dito em seu ouvido, também importando as alterações físicas de cada um.
É assim que eu encarei a adaptação cinematográfica de “Boneco de Neve” (The Snowman): como algo que começa de uma maneira mais rica e detalhada, e acaba não sendo necessariamente errado ou ruim, mas bem longe do seu ideal.
Baseado no best-seller homônimo de Jo Nesbø (sétimo livro da série literária que tem Harry Hole como protagonista) e com Tomas Alfredson à frente da direção, o longa tem uma trama que conta com todos os ingredientes necessários para ter êxito. Mas, de maneira incompreensível, não é que vemos em tela, apesar do nítido esforço do competente elenco para entregar um bom trabalho.
Michael Fassbender dá vida a Harry Hole, inspetor de polícia que se vê incumbido de encontrar um assassino em série – que se autodenomina Boneco de Neve e tem como alvo mulheres que são assassinadas durante a primeira neve anual na capital da Noruega, Oslo.
Ao lado de sua parceira Katrine Bratt (Rebecca Ferguson), ele deverá descobrir prováveis pontos em comum que liguem as histórias e sejam suficientes para traçar um perfil que leve ao culpado. Tudo isso, numa franca corrida contra o tempo, antes que um novo boneco de neve surja próximo à moradia de uma futura vítima (fazer uma escultura do tipo é uma espécie de “cartão de visita” do serial killer).
Em uma narrativa do gênero, todos os detalhes importam. Coisas, frases, pessoas que à primeira vista não têm um papel de destaque, podem ser fundamentais na ‘montagem do quebra-cabeças’. E é aí que a produção comete seu maior erro. Quem, assim como eu, conhece a obra original, sabe o quão minuciosas são as mais de 400 páginas que a compõem e boa parte disso ficou fora do apresentado nas telonas.
Alegar que são mídias diferentes não parece muito justo nesse caso, pois mesmo com as incontestáveis alterações que precisam ser feitas para condensar horas (ou até mesmo dias) de leitura em um produto de duração tão menor para o cinema, há adaptações que conseguem manter a essência da obra intocada, o que é o primeiro passo para o sucesso tanto com os fãs prévios, quanto com o público que não conhece a trama.
Ao contrário do livro, em que existem várias reviravoltas e o leitor é ‘enganado’ diversas vezes, tendo certa dificuldade em classificar com clareza a índole dos personagens, no longa tudo é mostrado de maneira tão superficial, que não existe possibilidade de se pegar a nenhum fato / momento / nome que deixe o espectador com a sensação de que faz parte da investigação – o que deveria acontecer de maneira natural, desde a primeira sequência.
Entre tantos equívocos, o destaque positivo fica para a escolha de Fassbender para o papel principal. Desde a divulgação dos primeiros materiais promocionais, eu comprei a ideia de vê-lo como o inspetor e essa identificação costuma ajudar a plateia a se interessar pela história, mas não é suficiente para segurar todos os outros elementos.
Enfim, pelo menos para mim, mesmo com a justificativa do próprio diretor que confirmou que parte do roteiro não foi utilizada devido ao cronograma apertado de gravações, prevaleceu a sensação de que, com uma base narrativa tão incrível quanto a imaginada por Jo Nesbø, o fruto não é de todo ruim, mas poderia / deveria ter um sabor infinitamente melhor.
por Angela Debellis