Wasp. Essa é a sigla, o conceito, que trespassa este filme, do início até o final. Trata-se de uma palavra inglesa que significa vespa, um inseto atemorizador e perigoso para os humanos por sua forte picadura. Porém, também, são as letras iniciais do que pode ser traduzido como “branco (W), anglo-saxão (AS) e protestante (P)”.
Resumo das características que, para alguns setores da sociedade estadunidense, deve ter uma pessoa para que possa ser valorizada positivamente. Aquele que não possua tais condições, não é tido como digno ou, inclusive, resulta ser um elemento depreciável.
A partir da excelente cena inicial, que remete ao título clássico “… E o Vento Levou”, até a última situação, esse conceito racista é criticado e está presente em “Infiltrado na Klan” (BlacKkKlansman). Spike Lee apresenta um relato entre engraçado e dramático, inclusive policial, sobre a tragicamente famosa “Ku Klux Klan”, violenta organização racista estadunidense que chegou a ter essa sinistra fama por causa dos seus ideais segregacionistas e das suas ações violentas.
Possuindo também alguns traços grotescos e previsíveis, o filme é uma pintura que, se não fosse por uma abundante série de situações cômicas seria tenso, extremamente dramático e até apresentaria crueldade. O diretor e co-roteirista procurou aliviar dessa maneira o material sobre o qual trabalhou. É a história de dois policiais, Ron Stallworth (John David Washington) e Flip Zimmerman (Adam Driver) que se infiltram nessa organização.
Por outra parte, há uma série de discursos potentes, dos brancos contra os negros, e vice-versa. Nesse sentido, um recurso bem trabalhado aparece quando por meio da montagem, confluem duas situações e dois discursos de signo oposto, representando um contraponto entre uns e outros.
Aliás, chamam a atenção os diversos discursos que aparecem ao longo do filme, mas são um tanto duvidosos desde o ponto de vista cinematográfico, linguagem que reclama mais de imagens do que palavras. E ainda menos de declamações para transmitir dessa forma as ideias e perspectiva gerais dos realizadores.
Outros pontos negativos, além dessa condição declamativa, são a obviedade e previsibilidade em algumas situações e caracteres dos personagens, conformando provavelmente um dualismo maniqueísta. Por momentos, parece haver uma excessiva preocupação em deixar em ridículo “os maus”.
E um risco com que se defronta o diretor é que, ao ridiculizar os brancos da Klan, fique ele mesmo como um crítico ridículo. Porém, não acontece isso e Lee consegue eludir tal problema. Não é um ridículo que pretende ridiculizar aos outros.
No balanço final, são maiores os méritos do filme que aqueles pontos negativos ou duvidosos. Sobre tudo, há uma sólida postura em contra do racismo, da suposta e autodeclarada “superioridade” de alguns brancos. E isso se apoia num relato que flui sem maiores sobressaltos narrativos, em forma simples, de fácil compreensão. Além disso, são poucos os vazios que apresenta o relato (talvez um seja mencionável: quando um dos personagens centrais consegue liberar-se de uma ameaça extrema iminente, não se mostra em imagens nem se explica como o conseguiu).
É interessante lembrar um trabalho inicial de Spike Lee: “Faça a Coisa Certa” (de 1989) que representou sua projeção a nível internacional e foi elogiado por saber respeitar as leis aristotélicas da tragédia– unidade de tempo e ação, às que logo se lhes acrescentou lugar e foram ampliadas para todo o teatro. Porém, nessa oportunidade, aquilo que foi virtude também poderia ser considerado defeito, já que cinema não é o mesmo que teatro.
Hoje, com “Infiltrado na Klan”, Lee apresenta uma obra diferente da anterior. Embora não seja brilhante, tem a técnica correta, com boa fruição narrativa. Os 135 minutos passam rapidamente e só apontamos aquelas observações sobre os discursos, para um relato basicamente cinematográfico.
Por outra parte, para além do filme em si, resulta coincidente e extremamente valorizável a circunstância de ter sido realizado e, em especial, ser exibido justo quando em diversas partes do mundo, a intolerância quer se impor.
Esse conceito – “Intolerância”, que é um des-valor (isto é: um suposto valor, porém negativo) – nos remete a um dos títulos clássicos do cinema dos Estados Unidos. ”Intolerância” foi realizado em 1916 por David W. Griffith, um dos grandes criadores na história do cinema mundial. Porém, aqui, Spike Lee nos lembra de outra obra de Griffith, a também fundamental desde o ponto da linguagem cinematográfica, mas muito polêmica ideologicamente, “O Nascimento de uma Nação” (1915). Por causa dela, o realizador foi e é definido como racista. Lee não quer esquecer esses momentos do cinema e os apresenta como pontos de referência da intolerância no mundo.
É saudável que não fiquem esquecidas imagens e momentos tristes que são sérias advertências sobre a insensatez daqueles preconceituosos que, pretendendo ser superiores, resultam ser muito piores que aquilo mesmo que pretendem criticar.
Embora não perfeito, “Infiltrado na Klan” é um bom filme para uma época como a atual, desajustada em mais de um sentido.
Importante: Com distribuição da Universal Pictures, o longa entra em cartaz no Brasil apenas em 22 de novembro, mas será exibido durante a programação da 42ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, que acontece de 18 a 31 de outubro na capital paulista.
por Tomás Allen – especial para A Toupeira