Em dias de “amizades” concebidas através de um simples clique ou de um toque em uma tela de celular, o sentido de “honra” parece ficar cada vez mais obsoleto, afinal, é inconcebível manter milhares de relacionamentos firmes, quando poucos duram tempo suficiente para se tornarem merecedores de tal atitude.
Eis que a trama de “IT – Capítulo Dois” (IT – Chapter Two) traz de volta à cena justamente um grupo de amigos – pequeno diante da imensidão que a tecnologia nos proporciona em uma velocidade cada vez maior – mas que se reconhece como equipe e que sabe a importância de manter sua palavra, mesmo depois de quase três décadas separados.
Com uma duração que a princípio assusta – são 2 horas e 49 minutos – o longa já começa de maneira arrebatadora com uma sequência desconfortável, mas que além de ser uma das mais marcantes do livro no qual se baseia, ainda fornece combustível para promover debates importantes e necessários. O retorno de Pennywise (Bill Skargard) é sangrento, inesperado e injusto, exatamente como requer a personalidade do palhaço macabro.
É o momento de Mike (Isaiah Mustafa), único remanescente do Clube dos Otários a permanecer na cidade de Derry, convocar seus amigos de infância / adolescência para enfrentar, mais uma vez, seus maiores medos de frente. Atitude esta que tem o intuito de finalmente acabar com o mentor de tantos traumas e frustrações que cada um deles carrega de maneira quase inconsciente, uma vez que as lembranças dos adventos vistos em “IT – A Coisa” se esvaíram em suas memórias assim que se mudaram para longe dali.
Se por um lado a figura de Pennywise perde em novidade (uma vez que o vimos antes e conhecemos suas intenções), por outro ela se torna ainda mais incômoda, porque já existe certa “intimidade” entre ele e os protagonistas, criando uma relação doentia em que apenas um lado pode sair satisfeito – seja com a derrota do palhaço ou com a morte de seus oponentes.
Tal ligação ambígua é explorada de maneira impecável na sequência que se passa no labirinto de espelhos do parque de diversões local, que foi mostrada em parte em um dos trailers divulgados previamente. A crescente onda de tensão que invade a tela, provocada pela repetição de determinado ato, foi a que mais me impressionou e a que, só de lembrar, ainda me faz perceber o quão perturbadora é.
Há vários momentos que deixam sua marca como memoráveis: o reencontro do grupo dos agora adultos, cujas recordações fazem aflorar sentimentos nunca esquecidos; os rápidos – porém eficientes – vislumbres de como cada um reagiu ao próprio medo e o quanto isso influenciou em suas escolhas de trabalho ou relacionamentos pessoais. Se lidar com algo que nos traumatiza é horrível, trazer à tona esse trauma em prol de um bem maior – entenda-se impedir que sejam feitas novas vítimas – é algo tão louvável quanto assustador.
Como pede a história adaptada da obra homônima de Stephen King, há reviravoltas que à primeira vista não seguem uma lógica completa, além do esperado exagero de recursos visuais, seja com muito sangue, água ou terra – todos elementos eficientes em tirar o fôlego do público.
Com vários itens a serem trabalhados, do número grande de personagens e suas histórias paralelas à inclusão de elementos místicos para auxiliar na tarefa final do grupo de amigos, a produção dirigida por Andy Muschietti ainda encontra espaço para easter-eggs relacionados à longeva e muito bem-sucedida carreira de King.
O óbvio destaque vai para a excelente escolha do elenco que faz com que haja uma satisfatória identificação das versões adultas dos protagonistas com suas figuras adolescentes – fato reforçado pelo uso de flashbacks, pela semelhança física e pelo trabalho dos atores que entregam atuações primorosas, em especial Bill Hader que, assim como Finn Wolfhard no filme anterior, faz de Richie Tozier um dos personagens mais interessantes.
Diante das quase três horas de duração, é provável que para alguns as aparições de Pennywise pareçam mais curtas (ou em menor quantidade) do que o desejado. Mas, pode acreditar: são suficientes para causar aflições reais e fazer com que voltemos a olhar com receio para coisas simples como bueiros ou balões vermelhos.
Imperdível.
por Angela Debellis