Para quem assina este texto, é-lhe improvável realizar um comentário (ou crítica) desta realização que seja completo, consistente, sem fazer referência a Paul Schrader, seu diretor e roteirista.
Isto porque é um criador famoso e com muitos antecedentes nessa área, na qual começou como crítico, além de autor de vários livros, sendo o mais conhecido “O Estilo Transcendental no Cinema: Ozu, Bresson, Dreyer”, de leitura intelectualmente enriquecedora.
De maneira que estamos diante de um escritor, realizador e teórico, com atenção preferencial a temas vinculados à religião, à ética e à moral. Especificamente, em cinema, se destaca por ser o roteirista de títulos como o excepcional “Taxi Driver” (1976, com direção de Martin Scorsese e inesquecível atuação de Robert De Niro), “Touro Indomável” (1980, mesmos profissionais), o polêmico “A Última Tentação de Cristo” (1988, Scorsese de novo, com atuação de Willem Dafoe) e outros.
Foi também diretor de vários filmes, mas seu desempenho como roteirista parecia ser melhor que como diretor, já que não conseguiu convencer-nos plenamente com “Hardcore – No Submundo do Sexo” (1979), “O Gigolô Americano” (1980), “A Marca da Pantera” (1982) e “Cães Selvagens” (2016).
“Jardim dos Desejos” (Master Gardener) é parte de uma trilogia, da qual fazem parte “Fé Corrompida – No Coração da Escuridão” (2017) e “O Contador de Cartas” (2021). Conta a história de uma dama já amadurecida, Norma Haverhill (Sigourney Weaver), viúva e com uma boa posição econômica, que reside em uma mansão com um esplêndido jardim. Para cuidá-lo, ela contrata Narvel Roth (Joel Edgerton, outro experimentado ator), um exímio conhecedor das plantas e seus cuidados mais precisos.
À tarefa principal de Roth se acrescentarão outras duas: manter relações sexuais com a patroa, a pedido dela, e ensinar a sua sobrinha-neta Maya Core (Quintessa Swindell) a jardinagem de alto nível. Ela resulta ser uma jovem que, originalmente, tem uma vida própria de riqueza e só aceitará a nova situação aos poucos.
A trama nos leva a graduais desvendamentos: Maya está envolvida em drogas e cercada por delinquentes e Roth tem um passado muito problemático. Ele deverá defender a moça tanto do ciúme que ganha conta da sua tia-avó como, principalmente, daqueles perigosos indivíduos.
Um protetor em um submundo de drogas, com experiências semelhantes às vividas pelo próprio Schrader. Os três personagens – Haverhill, Roth e, em especial, Maya – são pessoas isoladas e em profunda crise, também habitual neste cineasta.
O percurso não será simples e o filme consegue superar certa lentidão ao avançar mais na narrativa policial. Entre meio há cenas com sexo e erotismo – muito bem realizadas – e reflexões derivadas, na sua maioria, do vínculo com as plantas (por exemplo: “O dinheiro é o melhor adubo”; “A jardinagem é a arte mais simples”).
Curiosamente, a fotografia (de Alexander Dynan) tem algumas tomadas pouco nítidas, embora a maior parte seja correta e o mesmo acontece com a edição (de Benjamín Rodríguez, ambos com poucos longa-metragens prévios). Tudo isto também foi percebido antes em “Cães Selvagens” (2016).
Como dissemos, mais uma vez volta a aparecer a perspectiva moral de Schrader (foi educado em um calvinismo rígido) e seu interesse especial pelos problemas das jovens envolvidas em relações absolutamente destrutivas.
Esta obra, sem ser brilhante, possui uma matéria-prima interessante e pode ser mais bem apreciada e descrita conhecendo os antecedentes de quem a concebeu (melhor do que o esperado, se comparada com outros títulos anteriores dirigidos por ele).
Claro que não se pode desconhecer a outra possibilidade: um filme pode ser desfrutado e avaliado por si mesmo, quase fenomenologicamente, sem interessar outros aspectos, considerando-os alheios. Dessas duas posturas básicas, o leitor pode escolher uma ou criar, eventualmente, uma terceira.
O espectador poderá avaliar este título como denso, com abordagem de assuntos que dão lugar à reflexão ou, de forma oposta, defini-lo como lento e que não conclui nada.
Resumo da impressão recebida de “Jardim dos Desejos”: bom drama com elementos de moral e ética – em especial sexual e as relações humanas em geral. Características próprias de um trabalho assinado por Paul Schrader.
por Tomás Allen – especial para A Toupeira
*Título assistido em Cabine de Imprensa promovida pela Pandora Filmes.