Crítica: “Mudbound – Lágrimas sobre o Mississippi”

A trama de “Mudbound – Lágrimas sobre o Mississippi” (Mudbound) não é algo fácil de digerir. Com questões cerceadas na Segunda Guerra Mundial e no racismo -, não só praticado, mas absurdamente aceito por grande parte da sociedade americana nos anos de 1940 -, o longa é daqueles que fazem pensar por dias após assisti-lo.

A produção, que chega com quatro indicações ao Oscar (sendo todas para profissionais mulheres), é baseada no livro homônimo de Hillary Jordan e mostra a história de duas famílias: os McAllan e os Jackson. Entre eles, as diferenças visíveis da cor da pele e da condição / aceitação perante a sociedade fazem frente às semelhanças que a Guerra deixa aparentes, através da convocação de membros de ambos os lados.

O casal Henry (Jason Clarke) e Laura (Carey Mulligan), junto às suas filhas e o patriarca Pappy McAllan (Jonathan Banks) mudam-se para uma recém-adquirida fazenda, onde vivem os Jackson, família de trabalhadores negros que cuida da propriedade há gerações, cuja esperança é de no futuro, conseguir um pedaço de terra próprio (a sequência em que o pai Hap – vivido por Rob Morgan – divaga sobre a importância de se ter uma escritura e até que ponto ela pode ser mais importante do que uma vida inteira de esforço, é das mais pungentes do filme).

Ao intercalar cenas da vida na fazenda – e toda brutal infelicidade que se esconde por trás de uma rotina aparentemente comum – com sequências que mostram o quão absurdo são os bastidores de uma guerra e as inúmeras implicações que cada ação provoca em milhares de pessoas, o longa faz com que o público crie uma empatia por quase todos os personagens (o que é um grande feito, já que em narrativas que contam com um número maior de figuras, acaba sendo mais complicado encontrar o equilíbrio para que todas tenham sua importância destacada em algum momento).

Mas, embora outras questões também sejam válidas, o ponto focal é mesmo o retorno dos combatentes Jamie McAllan (Garrett Hedlund) e Ronsel Jackson (Jason Mitchell) e sua inesperada amizade, considerada uma ofensa por aqueles que veem no racismo que predomina na região algo trivial e nada condenável.

Independente da postura dos espectadores, acredito ser improvável ficar impassivo diante da imagem do “herói de guerra” Ronsel, ostentando medalhas no peito após ter posto a própria vida em risco em nome da pátria, e que ao voltar para casa tem que se sentar em um banco nos fundos de um ônibus, no qual há uma placa com os dizeres “reservado para pessoas de cor”.

Ou ainda quando o vemos ser obrigado a sair pela porta de trás de uma mercearia (na qual tinha ido comprar um pacote de açúcar – pense no quão trivial isso parece aos nossos olhos hoje em dia – para fazer um agrado à mãe Florence, vivida por Mary J. Blige, que concorre em duas categorias do Oscar: Melhor Atriz Coadjuvante e Melhor Canção Original), apenas porque negros não podiam usar a porta principal. E essa é só a ponta do iceberg.

A direção de Dee Rees, aliada à fotografia de Rachel Morrison (ambas concorrendo ao Oscar), ajudam a transformar “Mudbound – Lágrimas sobre o Mississippi” em algo marcante. Apesar de assuntos pesados e difíceis de tratar, ou justamente por isso, o longa merece ser assistido, pela reflexão que provoca, ao percebermos o quanto ainda a sociedade precisa evoluir – de maneira imediata – em determinados aspectos.

por Angela Debellis

Filed in: Cinema

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