Silêncio. A ausência de sons. Uma barreira que lentamente se constrói, pouco a pouco se tornando intransponível, entre duas pessoas que se afastam, como muito bem pode atestar Valerio Primic (Massimiliano Gallo): enfurnado em seu escritório e biblioteca, ao meio de seus livros organizados em parâmetros estranhos, tornou-se um estranho para sua própria família, que por sua vez passa a tomar uma decisão importante sem seu conhecimento. Agora cabe ao patriarca tentar se reconectar e quem sabe reverter a iniciativa de sua mulher e filhos de vender sua velha casa.
Porém fica a pergunta: será tarde demais para derrubar os muros do silêncio?
Esta é a trama de “O Grande Silêncio” (Il Silenzio Grande), quarto longa dirigido pelo italiano Alessandro Gassmann, que além de diretor é um ator popular no cinema e na televisão italianos.
Antes de tudo, é preciso dizer que mesmo sendo um drama familiar, existe um elemento de comédia na obra que faz parte da programação do 16º Festival de Cinema Italiano. Um exemplo é a imaginação exacerbada de Valerio, que tudo que lhe narram ele imagina de maneira cômica. Outro é a empregada Bettina (Marina Confalone), que ainda que seja o alívio cômico, na verdade é a conselheira do escritor, que ajuda a este compensar sua total falta de tato emocional em relação à própria família.
Isto, no entanto, não impede o filme de ser trágico. Em primeiro lugar a relação de Valerio com seus filhos é forjada pelo desapego, e estes sofrem o peso da fama do pai em todos os seus outros relacionamentos, levando o filho desprezar o pai e sua casa, e a filha a constantemente procurar homens mais velhos. O casamento do escritor também é carregado por uma dicotomia entre amor e dor, onde Rose (Margherita Buy), sua esposa, se ressente das obsessões – o trabalho, a casa etc. – de seu marido, que se interpõem entre os dois.
Normalmente filmes não conseguem atingir um equilíbrio entre tragédia e comédia, porém “O Grande Silêncio” consegue fazê-lo de maneira competente. O verdadeiro elo fraco, no entanto, está em sua reviravolta central – cujos detalhes não serão revelados por motivos de spoiler: é previsível, e já foi utilizada à exaustão em títulos cuja premissa se encaixaria melhor.
De volta aos pontos fortes, a fotografia de Mike Stern Sterzynski é um dos maiores. Além de dar um tom intimista à produção, sempre se atendo a ângulos que valorizem as expressões dos personagens, também cria um ambiente fechado, quase claustrofóbico, onde todos se veem presos à casa decrépita.
“O Grande Silêncio” é um interessante drama, que serve muito bem para quem quer assistir a algo menos centralizado nos Estados Unidos, mas ainda assim tocando assuntos familiares a temáticas mais convencionais. Além disso, a tragédia se equilibra bem com a comédia, e pode agradar até mesmo quem não é fã de dramas comuns.
por Ícaro Marques – especial para A Toupeira