Crítica: “Sem Fôlego”

A premissa do filme “Sem Fôlego” (Wonderstruck), dada pelo tom do trailer, é de uma busca catártica de duas crianças pela própria identidade, ao som da épica música Space Oddity, de David Bowie. Alguns elementos como a magia do gabinete de curiosidades e da descoberta do mundo por meio da evolução no Museu de História Natural de Nova York fazem do vídeo uma boa promessa.

O enredo conta a história de duas crianças e épocas distintas. Em 1977, habitante de Minnesota, Ben (Oakes Fegley) sofre pela perda da mãe e tem sua vida mudada quando é atingido por um raio ao atender um telefonema. Por sua vez, em 1927 vemos a jornada da garota Rose (Millicent Simonds), que foge de casa para encontrar a consagrada atriz de cinema mudo Lilian Mayhew (Julianne Moore). Dois pontos unem a vida de Ben e Rose: o fato de serem surdos e a presença de um livro antigo sobre um gabinete de curiosidades.

A princípio, a história e os elementos dados na narrativa são promissores. A busca pela própria identidade, a falta de compreensão diante das dificuldades em ser surdo, e o olhar sonhador da criança que consegue identificar o frescor do mundo, pois tudo é visto, neste instante, pela primeira vez. É o grande olhar de um desbravador, como daquele que pesquisa e coleta os objetos mais exóticos do mundo e os reúne em um gabinete de curiosidades.

O problema, porém, é que o filme menciona elementos que, ao fim, são muito mal utilizados para a construção da trama e o desenvolvimento dos personagens. Primeiro, o formato escolhido para contar a história de ambos não permite que conexão alguma se estabeleça entre espectador e personagens. Vamos da jornada de Ben a de Rose como se fosse uma mera linha temporal, em que uma história é contada sem se preocupar com as emoções das pessoas retratadas.

A trama de Rose é toda contada no formato de um filme mudo de 1927, em preto e branco e com a trilha sonora acompanhando-a. Contudo, reunindo a sua parte com a de Ben, o modo de contá-la se torna vazia e até mesmo entediante.

De uma cena a outra, somos levados às resoluções dos personagens, sem surpresa ou encanto algum. O caminho é óbvio, e a trilha sonora também não ajuda, é insistente em tentar recriar um formato de outra época, tornando-a uma imagem superficial e pouco crível. Além disso, as tomadas situadas nos anos de 1970, com Ben, são exaustivas, com uma câmera que não foca nas cenas apresentadas, tornando-se meros borrões que buscam remeter ao universo periférico de Nova York.

Como foi dito, tanto o tema da surdez quanto o olhar fundante da criança podiam compôr uma história singular. A resolução dada ao enredo é rápida demais para criar impacto, não dando tempo para o espectador se envolver e ter a mesma sensação, ao final, de pertencimento a um lugar, junto aos personagens. Nem mesmo a presença do tal livro tem um impacto verdadeiro na trama.

Assim, Sem fôlego possui nas mãos elementos que poderiam dar certo para uma construção narrativa e perde a oportunidade de criar um grande filme sobre a exploração da beleza do mundo através do heroísmo de duas crianças e a união de duas épocas por meio de um singelo livro.

por Marina Franconeti – especial para A Toupeira

Filed in: Cinema

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