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Direto da Toca: Assistimos ao espetáculo “Carmina Burana”, no Teatro Bradesco

 

Crédito: Divulgação

Na tarde de ontem, 19 de abril, tive a oportunidade de prestigiar a majestosa montagem feita pela UNIOPERA da seminal “Carmina Burana” de Carl Orff. A montagem da cantata é uma das mais únicas já feitas para essa peça, pois diferente de outras, essa conta com toda uma cenografia e encenações do solista e parte do coro. Mas afinal o que é Carmina Burana, quem é Carl Orff, e a UNIOPERA?

A Obra

Talvez “Carmina Burana” seja uma das peças corais mais conhecidas já compostas, uma das poucas que rivaliza com a 9ª Sinfonia de Beethoven, e que sofre com os mesmos problemas: a descontextualização pela popularidade, uma vez que poucos sabem que existe mais do que apenas “O Fortuna” e a “Ode a Alegria” nestas obras.

“Carmina Burana” foi composta por Carl Orff em 1937, inspirada nos textos dos monges goliardos, jovens clérigos da idade média com considerável estudo, porém nenhuma vocação religiosa, que acabavam adotando hábitos completamente contraditórios ao clero. O título é o nome do Códice no qual se encontram os textos, significando “Cantos de Beuern” – Burana sendo uma latinização do nome da cidade de Beuernm, Alemanha.

Satirizando os costumes e hábitos da época, os textos não são incomuns à poesia do período de sua escrita – entre os séculos XI e XIII – porém, por terem sido criados por supostos clérigos, podem ser considerados blasfemos.

Em particular no que trata a sorte: sempre se referindo à Fortuna e sua roda, divindade greco-romana da sorte, boa ou má, o que contraria o propagado pela igreja, que afirma que Deus teria o pleno controle de todo e qualquer destino. O mais famoso coro da obra, “O Fortuna”, justamente se trata deste tema.

Outro elemento importante da obra são suas referências aos prazeres da gula – bebida e comida – e tem a segunda parte inteira dedicada à vida na taverna, chamada de “In Taberna”, a qual inclui uma curiosa canção de um ganso sendo cozido, e é cantada por um tenor solista.

O Amor é mais um elemento fundamental que também permeia toda a obra, carregando poesias de cunho erótico para a época, na qual não necessariamente se faziam referência ao sexo, mas quando havia, era de maneira direta, ainda que para o período fosse tão vulgar quanto formas mais explicitas de nossos tempos atuais.

O Compositor

Nascido em 1895, Carl Orff viveu um período de grandes mudanças tanto políticas quanto artísticas no mundo. Sendo assim, se viu entre as vanguardas de seu período e o tradicionalismo de seu país, a Alemanha, tendo seu ápice quando os nazistas assumiram o poder: mesmo que não se alinhasse aos ideais do regime, sua forma de compor mais próxima ao tradicional fez com que se tornasse referencial para o regime.

Suas ligações com este, no entanto, ainda são obscuras, apesar de manter fortes vínculos com figuras perseguidas, em particular judeus e resistentes, Orff lucrou consideravelmente por ser visto como um modelo, mesmo que não necessariamente recebesse dinheiro diretamente do governo.

Ainda que um apto compositor, como pode se ver em “Carmina Burana”, Carl Orff é mais famoso por suas contribuições ao ensino da música, em particular de crianças, sendo uma das grandes referências a qualquer pessoa que estude ou pratique a musicalização infantil.

Seu método, explicado de maneira simples e breve, consiste em estimular o fazer musical da criança, através de improvisações utilizando instrumentos de percussão, ou de fácil emissão de som.

A Companhia

A história da UNIOPERA começa em 2002, com a fundação da Orquestra Acadêmica de São Paulo pelo regente Luciano Camargo e pelo violinista Kleberson Buzo.

Originalmente criado para a pesquisa em performance da música sinfônica, visando o contínuo aprimoramento técnico e artístico de seus membros, logo passou a também se dedicar ao repertório vocal-sinfônico, atuando continuamente em conjunto com o Coral da Cidade de São Paulo.

Em 2009, passou a fazer parte da Associação Coral da Cidade de São Paulo, na época recém-fundada. Desde então, ampliou sua atuação, realizando também repertório operístico, e desde 2017 passou a realizar temporadas regulares no Teatro Bradesco São Paulo, se tornou a principal sede de seus espetáculos. Algumas de suas montagens mais famosas são Carmen de Bizet, A Flauta Mágica de Mozart, La Boheme de Puccini e La Traviata de Verdi.

O Espetáculo

Agora que nos familiarizamos com a obra, o compositor e a companhia responsável, falemos do mais importante: o espetáculo em si.

Posso dizer com conhecimento de causa – já que participei de uma montagem desta peça – que preparar uma obra como “Carmina Burana” não é tarefa fácil: a cantata possui um grande número de partes que saem do mais suave ao mais forte rapidamente, a percussão usada com frequência e força, a própria orquestração que exige uma orquestra considerável, um coro maior ainda para fazer volume, além da própria popularidade, que a torna de mais fácil escrutínio pelo público… Muitas coisas estão em jogo quando se monta esta obra.

Ainda assim, a UNIOPERA não desaponta em sua montagem: a orquestra e o coro realizaram a obra com precisão, e fica clara a dedicação dos grupos e do maestro Luciano Carmargo em relação ao desenvolvimento do repertório que executam.

Nos solos, os cantores Isabella Luchi (soprano), Rodolfo Giugliani (barítono), Rafael Ribeiro (tenor), e o coro piccolo – grupo pequeno no qual solistas agem como um coro – formado por Fernanda Ribeiro, Alessandra Carvalho e Larissa Guimarães, arrasaram em suas atuações.

Um elemento interessante que tornou a apresentação diferenciada em relação a outras montagens desta peça foi o uso de pequenas encenações – uma escolha incomum, visto que por ser uma cantata, não se utiliza deste recurso – fazendo um misto de concerto tradicional com teatro, embora não sendo na forma de uma ópera propriamente.

Cada solista e o coro piccolo puderam mostrar seus cacifes como cantores de ópera. Em particular, merece destaque a atuação do barítono Rodolfo Giugliani em suas partes como bêbado na taverna. Além disso, o uso da iluminação e de projeções, bem como a atuação do coro masculino, substituiu de maneira interessante a necessidade de um cenário.

O concerto, não se restringiu apenas à obra de Carl Orff, mostrando também uma cena da ópera composta pelo próprio regente Luciano Camargo: “Édipo Rei”, baseada na obra homônima de Sófocles.

E não posso negar que me deixou bem interessado em assistir à obra completa. Para quem quiser, como eu, conferi-la em sua completude, a estreia ocorrerá em setembro deste ano, realizada pela UNIOPERA, no Teatro Bradesco São Paulo, e os ingresso já estão à venda.

A Conclusão

Vale muito a pena assistir a esta montagem singular de “Carmina Burana”. Além de não ser uma obra tão tocada, mesmo com sua popularidade, está sendo realizada de maneira magistral pela orquestra, e as encenações tornam o espetáculo mais especial.

Por fim, a inclusão da cena da ópera “Édipo Rei” como teaser para sua estreia torna-se a cereja no bolo de uma bela apresentação orquestral.

por Ícaro de Carvalho – especial para A Toupeira

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