Após a exibição para a imprensa de “La Cama”, conversamos com a diretora / roteirista / produtora do longa argentino, Mónica Lairana. O drama estrelado por Alejo Mango e Sandra Sandrini estreia em 25 de abril nos cinemas brasileiros, data em que você confere nossa Crítica Completa.
A Toupeira (AT): Como já lhe fizeram muitas entrevistas, tem participado de debates e encontros depois da exibição do filme, poderia ser interessante inverter a situação. Poderia falar de algo que ainda não tenham perguntado ou de algo que gostaria aprofundar?
Mónica Lairana (ML): Ah, que difícil… (pensa). Das coisas curiosas, tem-me acontecido que, nem os encontros depois das projeções nem nas entrevistas não se tenha referido à cena final do filme, onde de alguma maneira, se faz mais explícito que há uma comunicação quebrada entre eles. Porque para mim, diretamente, nessa cena, em seu desejo de querer fazer bem as coisas, ele se desconecta dela, o personagem dele, e até deixa de registrá-la, como se estivesse fazendo o amor ele sozinho.
Essa situação que, ao menos é minha interpretação… porque a verdade é que a gente entrega os filmes e depois a subjetividade do outro é a que a constrói na sua maneira, sempre me tem chamado a atenção que não se falasse tão pontualmente da sexualidade, embora não seja o tema central do filme.
AT: Mas a sexualidade permeia todo o filme. Desde a primeira cena – bastante prolongada e forte – e todo o longa, além do título.
ML: Sim, claro, abre e fecha o filme, porém, ninguém tem aprofundado, por isso digo, me parece curioso. Se me tem perguntado algo nesse sentido, tem sido muito casual. Perguntam-me por que escolhi essa idade, mas falar da sexualidade, não. Suponho que tem a ver com o fato de ser um assunto muito íntimo. E talvez se dá uma opinião se pode pensar que se trata de algo que a pessoa sente, pensa ou vive.
AT: Em geral, ao falar da sexualidade, ainda somos bastante reprimidos. Não é fácil falar de assuntos sexuais.
ML: Pode ser. Para responder te digo que sempre me tem resultado curiosa esta ausência.
AT: O fato de ser a diretora, roteirista e produtora representa um acúmulo de funções. Como lidou com isso?
ML: Diria que não lidei. Acredito que me pude organizar muito bem e tínhamos como um plano com meus companheiros de aventura, de que, por exemplo, eu ia a ficar com o cargo da produção – que é o mais complicado, o que mais estressa, até o momento da filmagem.
Então eu estive muito encarregada da produção junto com meus sócios até dez dias antes da filmagem. E depois, durante ela, fui somente diretora. Até que não concluiu o filme – pelo menos suas primeiras versões de montagem -, continuei só concentrada nessa etapa artística onde realmente tinha que estar compenetrada com essa tarefa e só depois retomei o rol de produtora.
Essa organização foi boa, equilibrada, como eu que sou muito cuidadosa, muito obsessiva. Não me acontece deixar-me desestabilizar porque tenho muitas tarefas. São sempre desafios para mim. E digo: ‘Bom, está bem’. Tenho muitas coisas hoje, muito que fazer, não vai dar o tempo, mas tento organizar-me e assumo sempre como aprendizagem. Não sofro por isso.
Tem diretores amigos que não poderiam nunca. Sofrem, se recebem uma planilha Excel, choram. A mim me entusiasma aprender e foi uma aprendizagem muito grande produzir este longa. E sinto que concluído, não somente aprendi da parte artística, mas me ficou uma bagagem a respeito do que significa financiar um filme, produzi-lo. Muito importante para o que decida fazer no futuro. Não queria perder-me isso. Como é o primeiro filme, a oportunidade de aprender.
AT: Você já disse em alguma declaração que não resultou difícil dirigir aos atores. E que isso tinha a ver com a sua experiência prévia como atriz – tem uma lista bastante extensa desses trabalhos. Porém, há um fato que também é muito importante: você se formou na Escola de Teatro de Buenos Aires. E tenho uma pergunta bastante incisiva: o filme não tem uma linguagem bastante teatral?
ML: Sim; é bastante teatral. Com este filme tomei um monte de decisões que causaram pânico no resto dos produtores, mas estava muito convencida do que queria fazer. Sentia que, sobretudo sendo meu primeiro filme, tinha que ser muito fiel à ideia que tinha. Nunca se pode fazer uma obra que agrade a todo o mundo, então, por que resignar coisas que eu sentia com tanta convicção? Tinha que fazer dessa maneira. Por isso, o longa tem uma teatralidade, tem coisas coreográficas, que me interessavam.
O filme está muito voltado para o corpo, eu gosto muito de trabalhar o tema dos corpos físicos. Isso era necessário ser trabalhado dessa maneira, teatralmente e me animou também a confiar numa decisão formal cinematográfica mais vinculada com o documentário de observação.
Acontece que estamos mais habituados a ver este tipo de documentário, onde há um plano fixo e o tempo transcorre, mas na ficção não é assim. As ficções, em geral, exigem informação que se renove, uma vertigem na montagem, um ritmo determinado.
AT: Porque estamos totalmente influenciados pelo cinema dos Estados Unidos. Que, em geral, é dinamismo puro.
ML: É entretenimento.
AT: E sua formação teatral influiu. Porque o teatro trabalha muito com a corporeidade.
ML: Sim e, além disso, dá a possibilidade de comunicar-se um ator com outro, com uma linguagem em comum. Digo isto como atriz: tratar de, com todo meu coração, entender aquilo que o diretor quer. Mas, se não há uma linguagem que possamos ter em comum, porque ele não possui essa experiência, esse conhecimento, então, os dois fazem a tentativa de chegar ao que ele deseja. Mas seria muito mais simples se esse diretor tivesse conhecimentos prévios e uma linguagem em comum, se tivesse algo atravessado em seu próprio corpo, há elementos assim.
AT: Continuando com isto: exigente o trabalho para os atores do “La Cama”.
ML: Exigente, difícil, mas ao mesmo tempo – insisto – foi simples por muitas razões. Uma porque fui muito sincera com eles. Acredito que justamente porque fui atriz não poupei informação, abri o projeto desde todo ponto de vista. Desde o que necessitava, o que queria, o que procurava neles. O tema do desnudo e seu motivo, que tipo de poética eu buscava, o que penso da velhice, da beleza. Como se iria filmar, como se colocaria a câmera. Falei muito com eles.
AT: Também pensei no diretor de fotografia, no cinegrafista. Antes de assistir, pensei que esse seria um trabalho de fotografia difícil porque não sei o que vai mostrar ou deixar de mostrar. Mas, mostrou bastante.
ML: É que não queria ocultar. Parece-me que o filme faz, ou o que tenta fazer ou o que eu queria era mostrar. Somos isso, pessoas, corpo, passo do tempo, transcorrer. Não queria artifícios em nenhum âmbito, em nenhuma área: nem na fotografia, nem em nada. Queria que tudo fosse mais cru, o mais natural que se pudesse.
AT: Anotei algumas das características que encontrei no filme: diferente (na estética e na temática); intimista; com uma visão feminina (porque se ocupa dos sentimentos e das relações pessoais).
ML: Concordo plenamente com essas definições. O filme está construído para um caminho emocional. O que mais me interessava como fio condutor era traçar um caminho emocional, por isso tem tanta ênfase nesses aspectos.
AT: Tem algum projeto futuro?
ML: De imediato, não. Digo que sou uma atriz que dirige, tenho próximos trabalhos como atriz, minha vida continua agora como antes do filme. Tenho algumas ideias, mas preciso sentir uma necessidade muito grande para decidir-me a fazer um filme. Aos diretores os impulsa querer filmar, a mim, querer atuar o tempo todo.
Há um impulso de dirigir permanentemente, que não acontece comigo. Filmo tanto os curta quanto os longa-metragens, desde uma necessidade de contar algo, de narrar, de expressar. É um esforço muito grande fazer um filme, levei cinco anos para fazer “La Cama”. Por isso, digo: entregar tantos anos da própria vida a um trabalho, tenho que ter uma necessidade real, sincera, tenho que ver que me comove, me motiva. Tem que ser algo que visceralmente me comova.
Vejo que há diretores que têm uma facilidade de narrar histórias que não lhes pertencem. Eu não sei se poderia fazê-lo. Não sei se tenho essa capacidade; acredito que posso, mas me sinto mais capaz de narrar aquilo que conheço.
AT: Conhece a tristeza, o sofrimento…
ML: Conheço o amor.
AT: Mudando totalmente de assunto: como vê o cinema argentino? Está bem, está mal?
ML: Vejo-o vigoroso. O que sempre é complicado na Argentina é financiar-se. A nível das ideias, a nível da criatividade e a nível artístico, é muito vigoroso. Sempre estão surgindo realizadores novos; sempre há estéticas novas e cada vez mais jovens.
E tem acontecido nos últimos anos que há uma pujante pequena indústria comercial, de filmes comerciais, como “O Anjo” e outras. O panorama é positivo.
por Tomás Allen – especial para A Toupeira