A dupla István Szabó – Klaus Maria Brandauer é uma velha conhecida, tanto entre eles quanto para nós, espectadores de cinema: o primeiro como diretor, e o segundo, como ator. Seus trabalhos mais conhecidos são “Mephisto” (1981) e “Coronel Redl” (1985). Passaram-se décadas, mas as impressões que deixaram naquela época ainda ficam na memória. Em especial no primeiro título, a decisão do ator de teatro, tentando adequar-se ao nazismo, e as consequências que sobrevieram, marcam também a quem assistiu ao filme. A atuação de Brandauer foi arrasadora.
Hoje, em 2020, reaparecem via “streaming”, com mais uma produção húngara, deste ano. Szabó István inverteu a ordem de aparição de seu nome (graças a um costume húngaro), mas não sua aptidão para criar um longa bem concebido (também é o roteirista) e executado com habilidade, sem pressa, porém com muito conteúdo.
Sua habilidade para deixar em evidência os mecanismos do poder, além das perversidades de pessoas poderosas, é uma característica destes filmes. Por sua vez, em “A Música da Sua Vida” (Final Report / Zárójelentés), Brandauer deixa boa parte de seu lado histriônico, que poderia incomodar a alguns, e cultiva aqui uma apresentação equilibrada.
É a história de Stephanus Emil, professor doutor, médico veterano, experiente e humano, chefe do setor de cardiologia em um hospital de Budapeste. Por motivos nada evidentes, de um momento para o outro, o governo decide fechar esse hospital e ele é aposentado compulsivamente. Diante da situação, tentando superar a frustração e as saudades, e procurando dar um novo rumo à sua vida, Stephanus decide visitar sua mãe no dia do aniversário dela. Ela mora sozinha em uma vila e tem uma personalidade bastante forte, até conflitiva.
Não faltam mulheres na vida do médico: a mencionada mãe; a esposa Éva, cantora de ópera; Mari(a), uma ex-aluna, que havia sido apaixonada por ele, e que, agora, ao se reencontrarem, passa a ser sua secretária; e Enekérzsi (a “professorinha Erzsi ”), diretora de um coral mirim escolar.
A tentativa de ficar morando e trabalhar na vila, como médico mais clínico que especialista, vai ter um caminho nada simples. Tanto por seus vínculos pessoais quanto por sua condição de profissional da saúde, que se defronta com obstáculos de todo tipo, em especial com o prefeito do lugar.
Este último resulta ser um canalha, mentiroso, ditador. E se estabelece uma luta dura entre ambos, principalmente porque a presença do médico se transforma em um incômodo para o prefeito. Nesse enfrentamento, e em outros que se irão misturando, pode-se perceber que a vila está habitada por pessoas miseráveis, obscurantistas, ruins e ignorantes. Em muitos sentidos, esta vila faz lembrar Dogville (de Lars von Trier, 2003) e A Vila (de Night Shyamalan, 2004).
Apesar da tristeza que pode produzir, o filme que está disponível no Cinema Virtual merece ser assistido. Está pautado, em boa medida, pela presença da música clássica e operística. Nesse sentido, não chega a violar uma regra básica do cinema: a de dar papel central à imagem mais que ao texto falado ou à música – que, então, não deve prevalecer. Tanto a cena inicial quanto a final são grandiosas. O final, excelente, tremendo.
Talvez para um espectador dos dias atuais, “A Música da Sua Vida” pode parecer algo lento ou denso em demasia. Mas, para quem gosta de música clássica e ópera (Verdi, Wagner etc.), diálogos e situações existenciais, até filosóficas e religiosas (para defender e, acima de tudo, questionar crenças), é muito interessante. Para quem tiver duas horas, e um perfil adequado às características mencionadas, resultará um prato cheio.
por Tomás Allen – especial para A Toupeira
*Título assistido via streaming, a convite da Elite Filmes.
