Crítica: “Não se aceitam devoluções”

Com uma história cujo apelo emocional é forte o suficiente para gerar versões cinematográficas em vários países (México, França, Turquia e agora, Brasil), “Não se aceitam devoluções” (idem) surpreende pela franqueza com que trata as relações familiares mais primordiais.

Juca Valente (Leandro Hassum mostrando ser capaz de entregar mais do que apenas piadas e situações cômicas) é um morador do Guarujá, cuja rotina gira em torno de conquistas fáceis e em grande número. Uma das mulheres que passam por sua vida é a cubana Brenda (Laura Ramos), com quem cria intimidade o suficiente para assumir que sua valentia está apenas no sobrenome (ele usa imagens montadas de aventuras radicais para atrair a atenção feminina).

Quase dois anos após o fim do “relacionamento”, Brenda volta a aparecer na porta da casa de Juca, com uma bebê de nome Emma no colo, alegando ser filha dele. Como não é difícil prever, a garotinha é abandonada pela mãe e deixada aos cuidados do protagonista que não tem a menor habilidade – ou pretensão – para tornar-se responsável pela criança.

O inesperado encargo faz com que Juca e Emma viagem aos Estados Unidos, a fim de localizar a mãe da menina. Com uma missão complicada e com o tempo passando, a dupla acaba se afeiçoando e logo a separação não é mais cogitada.

Vemos a passagem dos anos e o amor que o protagonista nutre pela garota, que assume como sua filha. Com a intenção de protegê-la e manter sua guarda, ele decide viver em Los Angeles, onde consegue através do agente – e futuro amigo – Bob Gomez (Jarbas Homem de Mello), um emprego de dublê, batendo de frente com qualquer medo anterior e tornando-se um profissional muito requisitado, o que garante que possa ter / dar uma boa vida.

Em um primeiro momento, a impressão é que Juca tenta compensar Emma (interpretada na maior parte do filme por Manuela Kfouri) pela falta da mãe e para isso, proporciona a ela uma rotina de fantasia exagerada. O apartamento em que vivem é totalmente pensado para o bem-estar da criança, com objetos lúdicos e brinquedos que se avolumam pelos ambientes. Até uma porta condizente com sua altura foi feita, criando uma entrada exclusiva para ela.

Dentre esse “exagero”, o que mais me chamou a atenção foi a manutenção de uma correspondência fictícia, através da qual a menina acompanha as “aventuras” de Brenda que podem incluir o salvamento de pinguins, um encontro com o Batman e uma visita à Lua. Tudo escrito por seu pai, a fim de que se crie um elo entre mãe e filha (como se houvesse um temor de que “apenas” seu amor não fosse suficiente para sustentar a família).

É justamente essa vida encantada que é posta em perigo com o retorno inesperado de Brenda, que passa a lutar na justiça pela guarda de Emma, sete anos depois de tê-la abandonado. A partir desse momento, sai o viés da comédia para a entrada do teor dramático, que envolve disputa judicial, descobertas que podem provocar grandes mudanças e a necessidade de se lidar com uma doença incurável. E essa transição consegue acontecer sem esforço.

Por não ter visto nenhuma das produções anteriores que têm o mesmo enredo, tampouco saber mais sobre a história, acabei me surpreendendo com certos caminhos que foram trilhados na parte final da adaptação dirigida por André Moraes. Para mim, o que ficou muito claro foi a lição (que deveria ser básica e frequente em nossas vidas) de que não devemos fazer julgamentos precipitados sobre as atitudes – ou muitas vezes a falta destas – de outras pessoas. E que, no final das contas, o amor verdadeiro continua sendo a base relevante.

por Angela Debellis

Filed in: Cinema

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