Crítica: “O Doutrinador”

Quando quadrinhos são adaptados às telas, os resultados podem ser mistos, e se tem um contexto político por trás, a situação é ainda mais complexa. Dois exemplos são “Watchmen”, que ainda divide a crítica, e “V de Vingança”, que divide os fãs, ambos por suas liberdades tomadas em relação ao material original.

Infelizmente, adaptações são partes necessárias, pois enquanto quadrinhos funcionam de uma forma, os filmes conseguem abranger um público ainda mais amplo. Além disso, quanto mais longe da data de lançamento do material original para sua adaptação, mais a realidade está diferente, ainda mais nesse caso de quadrinhos com questões políticas envolvidas.

“O Doutrinador” por sua vez, mesmo com suas liberdades em relação ao material original, consegue ser interessante e manter sua crítica política atual. Em primeiro lugar, o roteiro teve partes feitas pelo mesmo criador do material original Luciano Cunha, inspirado pelas manifestações políticas da época da publicação original, 2013. E apesar das mudanças na realidade brasileira, as discussões sobre corrupção, manipulação da mídia, influência da religião e dos empresários na política são temas que se mantêm atuais.

Dirigido por Gustavo Bonafé, o longa conta a história de Miguel Montessant (Kiko Pissolato), um agente da fictícia força federal a D.A.E. (Divisão Armada Especial), responsável por uma operação de combate à corrupção e desvio de verbas na saúde pelo governador – o estado, assim como sua capital não têm os nomes revelados, porém são análogos a São Paulo.

Durante esta operação, Miguel perde sua filha para uma bala perdida, pois o centro de atendimento público para o qual conseguiu levá-la mais rapidamente não podia operar, devido à falta de aparelhamentos. Quando o governador consegue liberação, Miguel se vê levado ao limite, e assume a persona do Doutrinador, que vai castigar não somente o governador, mas todos aqueles envolvidos no enorme esquema de corrupção.

Ao saber dosar o drama e a ação, cria-se um filme dinâmico e realista, que mistura tons de “V de Vingança” – com um anti-herói sombrio que luta contra o governo – com “Batman – O Cavaleiro das Trevas” – um super-herói sombrio lutando contra males de maneira mais realista. Os paralelos com o Homem Morcego não param aí: sua história de origem também lembra a de Bruce Wayne – perda de um parente próximo por uma arma de fogo – assim como as cenas do Doutrinador observando a cidade do topo de um.

A abordagem política também é interessante, ao trazer vários aspectos da corrupção dentro das instituições brasileiras: um empresário corrupto que compra seus políticos, um pastor político sujo e hipócrita, o político de carreira extremamente corrompido, a mídia vendida que manipula a imagem de quem lhe paga, ministros e juízes que se deixam comprar e vender, e uma polícia que só serve ao interesse dos poderosos. A crítica ainda ataca o chamado “jeitinho brasileiro”, que nada mais é que também uma forma de corrupção, ignorada, porém, pela população.

A parte visual reverbera essa atmosfera política decadente, demonstrando a enorme desigualdade social em diversas cenas. Além disso, as tomadas noturnas têm um tom que evocam aos filmes de super/anti-heróis sombrios. A fotografia passa um tom realista que se encaixa à estética ‘pé no chão’ do filme, e somente em tomadas que demonstrem a cidade por cima, é que se vê uma parte mais fantasiosa. A maior parte dos efeitos visuais está excelente, e extremamente de acordo com a estética do filme.

Talvez o maior problema não só deste, mas dos longas de super-heróis no geral – são as estranhas conveniências. Locais que deveriam ser impossíveis de serem infiltrados são acessados pelo Doutrinador, ele consegue circular sem levantar nenhuma suspeita, e até mesmo consegue explodir um prédio que dificilmente alguém conseguiria. Até mesmo sua máscara de gás com LED: até existem, porém não são uma boa ideia em manifestações, por se tornarem alvos fáceis quando bombas de gás são jogadas.

No geral, “O Doutrinador” é um filme interessante. Poucos títulos de super-heróis são feitos no Brasil, e dificilmente com uma qualidade de produção tão grande. Recomendado a todos os fãs de quadrinhos de heróis e a quem procura por longas ação / políticos.

por Ícaro Marques – especial para A Toupeira

Filed in: Cinema

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