Crítica: “Estranha Forma de Vida”

A duração de uma obra cinematográfica – assim como o número de páginas de um livro – não pode (ou, pelo menos, não deveria) ser um delimitador de sua qualidade. E esta afirmação pode ser aplicada quando pensamos em curta-metragens – gênero tão importante que tem sua categoria própria em várias premiações. Os média-metragens ficam, então, em um meio termo (assim como seu próprio nome sugere), mas há de se exaltar quando têm êxito em conquistar o público.

Pedro Almodóvar é facilmente lembrado quando pensamos em diretores aclamados pelos grandes títulos que pavimentam sua carreira. Então, era quase certo que seu novo trabalho / primeiro faroeste de seu extenso currículo / colaboração com a grife Yves Saint Laurent, “Estranha Forma de Vida” (Strange Way of Life / Extraña Forma de Vida) não só traria seu nome de volta aos holofotes, como geraria discussões diversas.

Em épocas de filmes extensos, conseguir a façanha de levar uma produção de 31 minutos a ser exibida no cinema é um feito e tanto. Mas, o diretor espanhol não só consegue, como prova o quanto isso é válido.

Na trama (filmada no deserto de Tabernas, em Almeria, Espanha – que serviu de cenário para a chamada “Trilogia dos Dólares” do diretor Sergio Leone) somos conduzidos à cidade americana de Bitter Creek, que tem no Xerife Jack (Ethan Hawke) sua figura de maior autoridade. Quando o assassinato de uma moradora abala as estruturas do pacato local, ele terá que redefinir prioridades para cumprir seu dever.

De maneira simultânea, Jake também precisará confrontar seu passado, devido a um inesperado reencontro. Após 25 anos de afastamento, o rancheiro Silva (Pedro Pascal) – com quem viveu dois meses de um intenso romance no México, na época em que atuavam como assassinos de aluguel (nessa fase, vividos pelos atores Jason Fernández e José Condessa) –  cruza o deserto em busca de respostas que abrangem muito mais do que um término precoce de relacionamento.

Para dar veracidade e peso à história – contada tão rapidamente – seria fundamental fazer uma escolha impecável de elenco. E isso fica visível desde a primeira interação entre os personagens de Hawke e Pascal. O primeiro, contido (até mesmo reprimido) em seus desejos e decisões – fato tão bem representado em seus trejeitos e vestuário sóbrios. O segundo, com a emoção à flor da pele, pronto para se entregar a algo que nunca abandonou seus pensamentos e trazendo cor à paleta terrosa do deserto (através de seu figurino que mescla paixão e esperança, em tons de vermelho e verde).

A decisão de Almodóvar de não recorrer a cenas explícitas faz com que a imaginação torne-se uma grande aliada para se deixar levar pela narrativa. Mas, quando os créditos finais surgem, fica a sensação de que, assim como os protagonistas, os espectadores mereciam mais.

Visando amenizar tal sentimento, a imediata exibição de uma entrevista com o diretor (que só será veiculada nos cinemas, não sendo disponibilizada futuramente em streaming) traz respostas ao que poderia ter sido visto, caso “Estranha Forma de Vida” fosse um longa metragem. Confesso que algumas revelações me impactaram mais do que eu imaginava.

Por fim, além da (ótima) trilha sonora original composta por Alberto Iglesias, cabe destacar a beleza de uma faixa já existente: a versão de Caetano Veloso (lançada em 1986) para o fado que dá nome ao filme (imortalizado na voz de Amália Rodrigues, em 1962), cuja letra tão bem resume o que vemos em tela: “Se não sabes onde vais, por que teimas em correr? Eu não te acompanho mais”.

por Angela Debellis

*Título assistido em Cabine de Imprensa promovida pela O2 Play Filmes.

Filed in: Cinema

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