Em frente ao espelho, mais uma noite em um camarim, uma atriz prepara a sua entrada no palco. O dourado das luzes que cercam o espelho, os gestos, vistos pelo espectador, podem ser cotidianos, mas possuem algo de ritualístico no modo com que dispõem a maquiagem em cima da toalha, a fita certa para tocar, o batom e o cuidado milimétrico em botar a cola nos cílios postiços, esticando-os nas pálpebras. Esse processo ganha a dimensão shakespeariana do poético que não é visto no palco. É só um começo para a pressuposta magia da atuação.
Esta atriz, no caso, é Gloria Grahame. Vencedora do Oscar em 1953 por Assim Estava Escrito, ela se torna personagem de Estrelas de cinema nunca morrem (Movie stars don’t die in Liverpool), do diretor Paul McGuigan. Acompanhamos a atriz em uma fase mais madura, com uma vida mais modesta e longe dos holofotes. Em um prédio comum, ela conhece o aspirante a ator Peter Turner e os dois vivem um romance que pontua uma grande amizade e a diferença de quase trinta anos de idade.
A atuação de Annette Bening como a atriz veterana Gloria Grahame é magistral. Ela altera o tom de voz, adota as expressões da atriz e apresenta fragilidade e força na mesma medida. Gloria foi uma atriz envolvida em inúmeros escândalos em Hollywood e encenou, para a época, o ideário das mulheres devoradoras de homens, com inúmeros casos e separações.
O filme pouco menciona essas polêmicas em torno da protagonista, o que já se espera normalmente em cinebiografias, que determinados fatos sejam amenizados. Porém, o roteiro se baseia nos relatos de Peter Turner, na época muito jovem e com quem Gloria teve um romance duradouro. Pesquisando sobre a vida de Gloria, descobre-se inúmeros detalhes dolorosos, incluindo agressões. Isso acaba por revelar uma relação de beleza rara entre os dois. Era o único refúgio onde a atriz recebeu respeito, carinho, alguém que genuinamente cuidou dela sem vê-la por seus fracassos e a aura massacrante de Hollywood.
Esse romance dá certo na tela pelas excelentes cenas entre Bening e Bell. O ator, conhecido pelo seu papel de menino aspirante a bailarino em Billy Elliot, concede uma performance comovente e bem construída, provavelmente a melhor de sua carreira até então. Aos poucos, ele se torna parte crucial da vida de Gloria, e o longa caminha para uma bela apresentação sobre como é envelhecer e ser cuidado por aqueles que se ama.
Peter vai assumindo cada vez mais os cuidados de Gloria. Na maior parte das vezes, vemos o cinema retratar mulheres como aquelas responsáveis pelo cuidar do outro, até mesmo com um tom naturalizante, como se fosse apenas pertencente às mulheres. O que o filme faz, porém, é colocar um homem jovem com essa função, além de apresentar sensibilidade masculina na relação, onde se possa chorar e mostrar medo de fracassar nos sonhos que tem.
Junto a isso, percebemos o cuidado em inverter os papéis que comumente vemos no cinema: são poucas as tramas que valorizam a autoestima da mulher que chega à meia idade, e são muitos os filmes que exaltam como os homens se tornam melhores com o tempo. Esse pensamento é uma armadilha cruel, na indústria cinematográfica, pois exige das jovens atrizes que nunca envelheçam, enquanto Bogart e Cary Grant permanecem intocáveis no posto de homens perfeitos.
Nos últimos anos passou-se a mencionar e a convidar atrizes memoráveis do cinema, como Rita Moreno, Jane Fonda, Lily Tomlin, para novos papéis. Contudo, ainda assim, exige-se que não se aparente a idade que tem, ou que possua um corpo invejável e que esteja atualizada com o mundo contemporâneo. Diante disso, o filme mostra o problema que é alimentar a ideia de que homens sempre podem continuar suas relações amorosas, enquanto as mulheres se tornam indesejáveis a partir dos 40 ou 50 anos.
Sendo assim, o retrato é convincente e emociona com facilidade, trazendo o tom melancólico ideal para representar vários temas. Estrelas de cinema nunca morrem consegue aliar a cinebiografia que homenageia o cinema e o teatro, apresenta as dificuldades de envelhecer, além de dar dignidade e sinceridade às histórias de amor, sem mostrá-las de forma idealizada. Acabamos por nos envolver na mesma magia que abraça os protagonistas e emergimos da produção ainda com aquela neblina nostálgica de quem se deixou seduzir mais uma vez pelos encantos da ficção numa sala de cinema ou entre as cortinas de um teatro.
por Marina Franconeti – especial para A Toupeira