Crítica: “Holy Spider”

Em “Holy Spider”, Ali Abbassi, diretor, produtor e co-roteirista iraniano, procurou fazer um filme sobre temas muito delicados – social, cultural e religiosamente – e de difícil abordagem. É sobre as mulheres que se prostituem. E que o fazem em forma muito elementar: oferecendo seus serviços nas ruas, em locais de baixa índole, sem segurança de nenhum tipo. Que são maltratadas, com insultos, socos e agressões de todo tipo, sem nenhuma consideração, sendo utilizadas vilmente e, finalmente, condenadas por ser o que são – ou supostamente são.

Como diria Sor Juana Inés de la Cruz em seus belíssimos poemas: “Homens néscios que acusais a mulher, sem (ter) razão, sem ver que sois a ocasião daquilo de que as culpais”. Só que de Sor Juana o faz com estilo, com elegância. Isso mesmo lhe faltou a esta realização.

Já desde a primeira cena as imagens resultam bastante escuras, conceitual e visualmente. O drama se instala no início mostrando um calvário que, neste caso, vai terminar do pior jeito possível. A sordidez é a matéria prima básica das mulheres retratadas e do filme inteiro.

O argumento pode ser sintetizado dizendo que na cidade de Mashjad, sendo muito religiosa e considerada sagrada, há locais onde mulheres exercem a prostituição. Acontece que há um criminal serial – denominado “O Assassino das Aranhas” – que está matando algumas delas. O faz em forma consecutiva e brutal.

Para tentar saber quem é tal indivíduo viaja até lá a jornalista Rahimi (Zar Amir Ebrahimi). Ao chegar, de imediato, deve defrontar-se com regras muito estritas sobre a vestimenta, condição e comportamento geral das mulheres.

Ela vai descobrindo que alguns chefes religiosos estão algo relutantes com a pesquisa, que a polícia tem integrantes nada confiáveis e que a população em geral não condena abertamente o assassino, já que as vítimas são mal vistas.

Os fatos se sucedem em forma chocante, os crimes continuam e a própria jornalista vai ficar envolvida em situações perigosas. Só aos poucos se vai chegar a uma virada (parcial?) e o longa terá uma segunda parte judicial e social mais acentuada e, ainda, polêmica.

O relato não se esquece de mostrar os vínculos familiares, tanto do assassino, quanto de algumas vítimas. O primeiro tem um breve surto de violência, porém bastante forte e que pode ser significativo para definir seu perfil psicológico.

Por sua vez, uma dessas mulheres tinha uma relação bastante especial, principalmente com a mãe, que derivará em uma cena com muita tristeza. Também o chefe policial é retratado para além de seu uniforme e, embora se auto-defina como amável, não é nenhum santo.

Em relação a reconhecer o assassino, há um objeto que o identifica quando comete seus crimes. Porém, vários outros homens utilizam iguais ou similares. Tudo indicaria que é uma pista falsa. Como se verá depois, o que talvez Ali Abassi quis dizer é que potencialmente há muitos criminosos nessa sociedade e, em particular, naquela cidade – embora religiosa e, quiçá por isso mesmo.

Em alguns sentidos imprevisível e em outros nada, “Holy Spider” procura condenar a sociedade, mas derrapa na maneira como o faz. Porque essa mostra da vileza resulta grosseira, tosca. Por isso, trata-se de um filme que incomoda. Definição que abrange vários significados (incomodam as imagens, as situações, o cinismo da sociedade etc.).

A descrição é ampla e, ao mesmo tempo, exata. A aplicação dessa palavra (“incomoda”) para a produção não me pertence, porém, acho extremamente apropriada para este caso. Algumas das situações de violência, e alguns assassinatos são mostrados com detalhismo excessivo.

Talvez os realizadores tenham suposto que uma denúncia, como dito, social, cultural e religiosa teria maior força quanto mais fortes fossem as imagens. Mas não foi assim. Em “Holy Spider” prevalece o impacto visual chocante.

De todas as maneiras, o filme pode ser assistido por aqueles que não tenham rejeição de tais características e possam concentrar-se na denúncia em diversos níveis e esferas.

por Tomás Allen – especial para A Toupeira

*Título assistido em Cabine de Imprensa promovida pela O2 Play Filmes.

Filed in: Cinema

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