Crítica: “Tesouro”

“Tesouro” (Treasure) pode ser dividido em duas partes, distinguíveis no conceitual e cronológico. Em toda a primeira a trama aparenta ter alguma superficialidade, oscilando entre o dramático e o mais ou menos cómico. Porém, como não se define como uma comédia-dramática bem realizada, pode até incomodar.

Os atores principais são os experientes Lena Dunham e Stephen Fry, dois adultos totalmente anti-sexies, ou seja, carecem de atrativo físico, nem falar de erótico ou sexual. Talvez por serem diferentes daquilo que muitas vezes o cinema comercial estadunidense ou ocidental apresenta e nos tem acostumados, parecem não convencer o público a acompanhá-los na viagem que empreenderam.

Mas, como será detalhado aqui, há uma segunda parte, que vai crescendo e que resulta muito mais elaborada na condição de drama, superior à inicial e que acabará de modo convincente. É nesse segundo trecho que se destacam as atuações dos profissionais já mencionados.

“Tesouro” trata de um encontro na Polónia entre Edek (Stephen Fry), um pai algo atrapalhado, e Ruth (Lena Dunham), sua filha, mais equilibrada emocionalmente. Ambos viajaram separados desde os Estados Unidos, onde moram na atualidade, até Varsóvia para se encontrar e percorrer os lugares onde ele viveu na sua infância. Este percurso na terra natal, contudo, não resultará fácil, como se define pelas imagens, situações e, depois, até em forma explícita por uma personagem.

O filme apresenta duas situações que marcaram a história polonesa no século passado: os horrores do nazismo, que perseguiu e matou milhares de judeus, originários desse país e de diversas partes do continente europeu. E, mais tarde, a presença do socialismo, que o empobreceu em modo drástico.

Destaca-se em particular, a primeira etapa, situada nos primeiros anos da década de 1940, e que marcou a vida de Edek, pois matou seus familiares diretos – pais e irmãos – no tristemente célebre campo de extermínio de Auschwitz-Birkenau. Essa família era judia e, como tantas outras, foi dizimada dolorosamente pelos nazistas.

Com esse pano de fundo social e político, pai e filha se encontram e visitam a Polônia atual. A relação entre ambos terá todo tipo de oscilações, com encontros e coincidências, por um lado, e desavenças e dissabores, por outro. Aparecerão emoções positivas perante o alegre e gratificante; e tristes diante das decepções, frustrações, erros e fracassos. Também a sucessão de lugares por onde vão passando os marcará.

O panorama é desolador e a maior parte dos locais e relações será muito desagradável e tingirá seus ânimos. Apenas algumas situações resultarão boas mas, ainda assim, haverá tensão e discrepâncias drásticas entre pai e filha. Stefan (Zbigniew Zamachowski), um taxista desconhecido deles até então, dará insuspeitado viés positivo ao recorrido e ao vínculo familiar.

Na última metade, o longa atinge momentos densos e emocionantes. Como antecipamos no início deste texto, seu voo narrativo surge mais bem elaborado culminando em um final bem interessante. Em especial, aqui as músicas acompanham as imagens (do mesmo modo que o fizeram ao longo de todo a narrativa) destacando as peças de Chopin, o romântico compositor polonês.

Enriquece o entendimento da obra pensar em qual foi o verdadeiro (e derradeiro) objetivo que teve Edek ao propor a viagem à sua filha. E supor o que ela fará no futuro com o resultado dessa viagem.

Em resumo, “Tesouro”, coprodução franco-alemã com muitos elementos poloneses e com direção de Julia von Heinz, vai de menor a maior, conseguindo despertar o interesse gradativamente, com aspectos sociais e pessoais que o transformam em um bom drama.

por Tomás Allen – especial para A Toupeira

*Título assistido em Cabine de Imprensa Virtual promovida pela California Filmes.

Filed in: Cinema

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