Crítica: “Till – A Busca por Justiça”

“Sinceramente… Oh, você sabe como eu te amo… Eu farei qualquer coisa para você”. Ouvida logo na sequência inicial de “Till – A Busca por Justiça” (Till), “Sincerely”, da Banda The Moonglows consegue expressar com perfeição o tamanho do amor que une mãe e filho e o quanto é válido afirmar que não existem barreiras que o impeçam de existir.

Única funcionária negra do escritório da Força Aérea dos Estados Unidos, Mamie Till-Mobley (Danielle Deadwyler), que perdeu o marido durante a Guerra, leva uma vida tranquila em Chicago com seu filho único, Emmett (Jalyn Hall). Ao seu lado, pode contar com as presenças daquele que viria a ser seu companheiro até o fim da vida, Gene Mobley (Sean Patrick Thomas) e de sua mãe, Alma Carthan (Whoopi Goldberg).

Tudo muda quando o garoto de 14 anos vai passar alguns dias de férias com seus primos Simmy (Tyrik Johnson) e Maurice (Diallo Thompson), no Distrito de Money, no Estado do Mississipi – que, em 1955 – ano em que se passa a história -, era palco de racismo deliberado e impunidade certa.

Lá, após uma simples compra de doces em um mercadinho local, Emmett é acusado, injustamente, de ter assediado a mulher branca Carolyn Bryant (Haley Bennett), o que leva ao sequestro e posterior assassinato do jovem, cujo corpo foi encontrado depois de dias desaparecido, no Rio Tallahatchie.

O terrível fato é levado a público, pela surpreendente e corajosa decisão de Mamie de permitir que a imprensa divulgue fotos de seu filho no caixão, para que não houvesse nenhum tipo de dúvida quanto à gravidade do que aconteceu e, para, quem sabe, ter alguma chance de punição aos culpados: Roy Bryant (Sean Michael Weber) e JW Millan (Eric Whitten).

Baseado em fatos reais, o drama dirigido por Chinonye Chukwu (que também assina o roteiro junto a Michael Reilly e Keith Beauchampé uma punhalada no coração dos espectadores. Não existe justificativa para tais atos de crueldade contra um inocente, para racionalizar ações que parecem ter sido praticadas por monstros, não por seres que se dizem humanos.

São diversos pontos que contribuem para a inserção do público na narrativa, mas talvez os mais pungentes sejam duas cenas em particular: a que envolve o primeiro contato de Mamie com o caixão em que Emmett foi levado de volta a Chicago (que, inicialmente, foca apenas nos olhos da atriz Danielle Deadwyler, e é através de sua sublime atuação que sentimos toda a dor daquela mãe).

E a que mostra a solidão e desespero da protagonista fazendo o reconhecimento do corpo dilacerado de seu filho. Assim como é preciso ressaltar a excelente trilha sonora composta por Abel Abel Korzeniowski, que acrescenta ainda mais qualidade ao que vemos em tela.

Dói assistir ao julgamento sabendo qual foi o veredito na vida real. Dói ver como pessoas negras eram humilhadas de tantas maneiras diferentes, inclusive em ambientes em que a justiça deveria naturalmente prevalecer (entenda-se no tribunal). Dói saber que a luta de Mamie rendeu frutos na forma de uma emenda na Constituição Americana, mas, apenas 67 anos após a execução de Emmett.

Em dado momento de “Till – A Busca por Justiça”, quando Mamie orienta o filho sobre como se portar no Mississipi, sendo a primeira vez que passarão tanto tempo separados, ela o aconselha: “Seja pequeno lá”. E eu fico imaginando se algum dia viveremos em um mundo onde ninguém precisará se apequenar para poder ter o direito básico de viver, ou se essa busca inglória por justiça permanecerá para sempre.

por Angela Debellis

*Título assistido em sessão regular de cinema.

Filed in: Cinema

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