Nem sempre os chamados “críticos” têm a mesma acidez quando se trata de olhar para si próprios e isso os torna ainda menos confiáveis, afinal, quem enxerga apenas as falhas alheias, costuma tropeçar em suas imperfeições pessoais.
Façamos um rápido teste: Imagine a ilustração de um coelhinho. Que seja amarelo e falante. Como ele se parece? É provável que seu primeiro pensamento tenha se direcionado para o lado da fofura e meiguice que normalmente os animais reais carregam consigo, ainda mais se eles conseguissem se comunicar conosco, através de nossa própria linguagem humana.
O Coelho Nero, criação do quadrinista Omar Viñole é exatamente o oposto disso e, acredite: é o que o torna tão interessante – e até mesmo relevante – principalmente em um mundo no qual as aparências são cada vez mais construídas de maneira artificial.
Em “Coelho Nero – O Melhor de 11 Anos”, recém-lançada edição digital, temos uma coletânea com as melhores tiras lançadas desde 2009, ano da criação do personagem. Ainda que as mudanças sejam constantes e velozes na sociedade em que vivemos, o caráter pouco amistoso de Nero permanece intacto, mesmo com o passar de mais de uma década.
Há um ponto muito fácil de ser ultrapassado, que delimita o que é de fato engraçado e o que pende para o que poderia ser considerado ofensivo por parte dos leitores. Omar consegue equilibrar sua obra de maneira exemplar sobre esse ponto, trazendo assuntos controversos como política – e mais recentemente, pandemia – aos quadrinhos, promovendo um debate sadio sobre as tribulações que nos cercam no cotidiano.
Nero não tem medo de se assumir neurótico e não são raras as vezes em que o vemos em meio a ataques de pânico. Tudo convergindo para que também o acompanhemos em suas sessões de análise com um simpático terapeuta em forma de minhoca – que vez ou outra, também explana seus pensamentos.
Se com o protagonista das tiras as coisas são mais sérias e soturnas, o mesmo não se pode dizer dos demais coadjuvantes das histórias – em especial a adorável Vaca, que serve como contraponto ideal para, mais uma vez, ajudar no equilíbrio das publicações.
Esse resultado agridoce transforma a obra em algo que diverte e provoca, faz rir e leva à reflexão, tudo ao mesmo tempo, através de eficientes quadrinhos – que às vezes resumem-se a uma ilustração única.
Em uma das tiras que compõem as 55 páginas da publicação digital, Nero cogita usar um disfarce de ovelha, na expectativa de conquistar a simpatia do público. Mal sabe ele que o que o fez ganhar o coração dos leitores foi justamente a força que transmite através de sua personalidade ácida, mas plenamente sincera.
por Angela Debellis