Crítica: “Poderia me perdoar?”

No cinema estadunidense podem-se distinguir duas correntes bem definidas: uma tem a ver com a costa oeste do país, com as cidades de San Francisco e Los Angeles. Principalmente esta última, onde estão os grandes estúdios cinematográficos. A outra está relacionada à costa oposta, a leste, especificamente com a cidade de Nova York.

A primeira é mais conhecida e possui maior influência industrial, comercial e até cultural, com o afamado centro no distrito de Hollywood e a pequena e famosa cidade de Beverly Hills, na qual mora boa parte das “estrelas”, onde se entregam os prêmios Oscar e se filma constantemente. Em geral, o seu é um estilo dinâmico, no qual prevalece a ação, embora também apresente diálogos e considerações de diversa profundidade.

A outra linha é mais próxima ao teatro, com situações preferentemente de interiores e com prevalência de diálogos ou monólogos e onde se procura maior elaboração nos textos de seus roteiros. O texto manda. A música também é identificável: prevalece o jazz.

O maior exemplo foi Sidney Lumet, diretor de teatro que migrou para o cinema dirigindo filmes que hoje são considerados clássicos. Para alguns, um excelente diretor – sobre tudo de atores, como Liz Taylor, Richard Burton e Sean Connery, entre outras estrelas. Para outros, como o crítico e enciclopédico francês Georges Sadoul, Lumet não era um autêntico diretor de cinema. Em seu dicionário de cine diz que “mais que um realizador (…) trata-se de um ‘filmador’ que vale aquilo que a obra teatral levada para a tela”. Ou seja, suas obras são teatro filmado.

Porém, no cinema nada é tão rígido e as classificações muitas vezes podem ser incorretas ou incompletas. Neste caso, seguramente uma das grandes exceções é Martin Scorsese, nascido, criado, com estudos superiores na New York University’s School of Film e identificado com essa cidade, este potente diretor é bem eclético e pode apresentar traços de qualquer dos estilos mencionados.

Indo a “Poderia me perdoar?” (Can you ever forgive me?), muito daquilo antes referido pode ser aplicado. Sem atingir o ponto de Lumet, é uma obra própria da vertente nova-iorquina. Dirigida por Marielle Heller, é bastante interessante, feita no estilo mencionado: há uma protagonista, Lee Israel, que é escritora (Melissa McCarthy), cuja índole a leva a constantes reflexões, autoconsiderações e diálogos agudos, principalmente com seu comparsa (Richard E. Grant).

Tudo transcorre em Nova York, com uma situação que cresce dramaticamente porque ela tem deixado de ser a boa literata que era e os conflitos agora se sucedem: com seu chefe da redação jornalística, com sua agente-editora (Jane Curtin), com a livreira que confia pessoalmente nela (Dolly Wells), etc. Dessa forma, a situação econômica da protagonista se agrava. Essa decadência, em princípio iniludível, a afeta em diversos modos, em especial no econômico. A procura de uma saída lhe demanda engenhosidade, coragem e… falta de escrúpulos. Para evitar o desastre total não parece haver outra maneira que praticar delitos. Por isso, o título do longa.

Uma cena em particular chama a atenção pela maneira como foi utilizada a câmera quando um personagem elogia / ressalta a protagonista em diálogo com ela. Curiosamente, a tomada é realizada com a câmera enfocando de cima para baixo. Ou seja, a favorecida aparece olhando para cima, como se o outro personagem fosse superior. É sabido que este tipo de tomada em lugar de agigantar diminui, empequenece, a figura mostrada. Aqui o efeito é engrandecer as qualidades da protagonista pelo avesso.

“Poderia me perdoar?” conta com boa atuação de Melissa McCarthy, que transmite um clima nostálgico e cria certa emotividade. Tudo isso, muito especialmente nas cenas finais. Não é em vão que ela é uma das indicadas para o Oscar como atriz principal. Mas a coluna vertebral do longa é o roteiro, escrito por Nicole Holofcener, com quem colaborou Jeff Whitty.

A roteirista, que tem diversos antecedentes também como diretora, parece pôr neste trabalho uma boa dose de seus próprios interesses e vivências. Conseguiu um texto elaborado, dentro dos moldes já descritos, de maior intimismo e com diálogos consistentes, que passam a ser centrais no filme. Enfim, esta é uma produção destinada a um público que goste de obras do gênero dramático que contenham muito texto.

por Tomás Allen – especial para A Toupeira

Filed in: Cinema

You might like:

Lançamento do Livro “O Triunfo das Paixões” acontece na Livraria da Travessa em São Paulo Lançamento do Livro “O Triunfo das Paixões” acontece na Livraria da Travessa em São Paulo
Rádio Bandeirantes leva estúdio ao Metrô de São Paulo em comemoração aos seus 87 anos Rádio Bandeirantes leva estúdio ao Metrô de São Paulo em comemoração aos seus 87 anos
Mauricio de Sousa divulga nova homenagem ao amigo Ziraldo Mauricio de Sousa divulga nova homenagem ao amigo Ziraldo
Madonna – The Celebration Tour In Rio no Multishow: clientes da Claro tv+ podem assistir à transmissão do show da rainha do pop Madonna – The Celebration Tour In Rio no Multishow: clientes da Claro tv+ podem assistir à transmissão do show da rainha do pop
© AToupeira. All rights reserved. XHTML / CSS Valid.
Proudly designed by Theme Junkie.