Crítica: “A Baleia”

Nas palavras do escritor, cientista e filósofo alemão Johann Goethe, “Todo o nosso saber se resume a isso: renunciar à nossa existência, para podermos existir”. Esta frase talvez bastasse para resumir “A Baleia” (The Whale), mas o novo trabalho dirigido por Darren Aronofsky é muito mais complexo do que pode parecer.

Baseado na peça teatral de 2012, de Samuel D. Hunter (roteirista do filme) – esta também adaptada para a televisão e as página de um livro – o drama é uma das melhores provas de que não devemos nos deixar levar por primeiras impressões ou pelas opiniões alheias, o que nos sujeitaria a perdas de ótimas experiências.

Em um mundo no qual criticar negativamente tudo e todos, quase como se fosse um problema patológico, “A Baleia”, mostra-se digno de atenção quando tem a chance de mostrar ao público uma história que se faz muito mais abrangente do que discussões de redes sociais (sobre tópicos que, conforme a perspectiva, nem mesmo fazem sentido).

A trama tem como protagonista o professor de redação, Charlie (Brendan Fraser, em atuação irretocável), cuja competência em seu ramo de trabalho é proporcional à sua necessidade de se esconder do mundo – no sentido mais literal da expressão – a fim de evitar que o inexorável julgamento alheio ponha em dúvida sua aparentemente infinita crença na bondade humana.

Com a perda de Adam, seu companheiro de anos, Charlie desenvolve uma grave compulsão alimentar, que o fez chegar a 272 quilos, e coloca sua vida em risco de um jeito que parece não haver retorno. Ele sabe disso, e é por ter essa consciência tão nítida, que se torna ainda mais difícil vê-lo contribuir para o próprio fim, através de sua fuga da realidade em forma de alimentos consumidos em grandes quantidades.

Mas, embora seja fácil criar empatia pelo personagem (e sentir sua dor, todas as muitas vezes em que ele se desculpa, pelo simples fato de existir), isso não nos impede de enxergar também seus defeitos – que nada têm a ver com sua forma física.

Para viver um grande amor com um de seus ex-alunos, ele terminou seu casamento com Mary (Samantha Morton), e deixou para trás a filha única, Ellie (Jacey Sink), aos oito anos de idade. Por mais que tenha tentado manter contato, fica claro o quanto distanciamento físico minou qualquer possibilidade de manter uma relação paternal saudável.

Passados quase nove anos, a agora adolescente (vivida nessa fase por Sadie Sink) parece pouco inclinada a retomar a relação com o pai, o que faz com que se equilibre em uma linha muito tênue entre a razão e a maldade. Sim, ela tem um óbvio e justificado ressentimento pelo abandono, mas será que isso lhe dá o direito de ser cruel – não só com Charlie, mas com todas as pessoas que a cercam?

Se por um lado o cinismo incessante de Ellie incomoda, por outro, cada aparição de Liz (Hong Chau) conforta o espectador. A enfermeira é a melhor amiga do protagonista e a pessoa mais próxima dele, inclusive no que diz respeito a tentar manter a integridade de sua saúde, dentro das condições precárias que lhe são ofertadas, uma vez que, sem um tratamento correto e urgente praticado em um ambiente hospitalar, pouco pode ser feito.

A iminente finitude do período de vida de Charlie já fica clara desde o começo da produção, marcada pela passagem do tempo em dias, tendo como um claustrofóbico cenário, o apartamento em que vive, atrás de cortinas fechadas – quase como se fosse um triste, restrito e solitário mundo particular.

Durante uma semana decisiva, terá que tomar importantes decisões, trazer assuntos dolorosos à tona, colocar em dúvida posicionamentos quanto à religião – para isso, contando com a inesperada participação do jovem missionário Thomas (Ty Simpkins) – e enfrentar a si mesmo, enquanto tenta manter-se sobre a base da honestidade – tão incitada a cada um de seus alunos, durante as aulas online ministradas por ele.

Tudo isso vai tocar o público de maneiras diferentes, de acordo com suas bagagens emocionais. E é justamente aí que reside o brilhantismo da obra indicada em três categorias do Oscar (Melhor Ator, Melhor Atriz Coadjuvante e Melhor Cabelo e Maquiagem): não importa qual o detalhe que vai emocioná-lo ou fazê-lo refletir, o que vale é saber que a mensagem chegou até cada um e atingiu o intento de lembrar o quanto nossas existências são válidas.

Imperdível.

*Título assistido em Cabine de Imprensa promovida pela California Filmes.

Filed in: Cinema

You might like:

Gloob estreia novo gameshow “Futeboleria” Gloob estreia novo gameshow “Futeboleria”
Dia do Cabelo Afro: Telecine traz no catálogo filmes em que os cabelos são ‘pretagonistas’ Dia do Cabelo Afro: Telecine traz no catálogo filmes em que os cabelos são ‘pretagonistas’
Bienal do Livro: William Sanches e Turma da Mônica ensinam sobre o superpoder da mente Bienal do Livro: William Sanches e Turma da Mônica ensinam sobre o superpoder da mente
Bienal do Livro: Carla Madeira é destaque na Arena Cultural Paper Excellence Bienal do Livro: Carla Madeira é destaque na Arena Cultural Paper Excellence
© 7387 AToupeira. All rights reserved. XHTML / CSS Valid.
Proudly designed by Theme Junkie.