Crítica: “Bela Vingança”

Há uma famosa frase na cultura popular que prega que não há plenitude na vingança e que esta só envenena a alma. Até certo ponto, existe veracidade nessas palavras, mas quando bem arquitetada e fruto de uma razão legítima, a vingança pode se tornar algo tão importante quanto justo.

Vencedor de inúmeros prêmios na temporada atual – inclusive o Oscar de Melhor Roteiro Original, concedido a Emeral Fennell, que também está à frente da direção – “Bela Vingança” (Promising Young Woman) é um daqueles filmes em que é possível sentir-se das mais variadas e contrárias maneiras, mas que diante do qual é quase inconcebível ficar indiferente.

A trama gira em torno da atendente de uma cafeteria de segunda categoria, Cassandra “Cassie” Thomas (Carey Mulligan, em atuação simplesmente sublime) – a tal jovem promissora do título original em inglês –, que vê sua vida mudar tanto profissional, quanto emocionalmente, após um enorme trauma provocado por fatos envolvendo colegas de faculdade, quando passa a tentar impedir que outras mulheres vivenciem infortúnios semelhantes.

Para isso, toda semana vai a bares e boates, finge estar completamente embriagada, até se “amparada” por algum homem desconhecido que se propõe a ajudá-la a ir para casa – quando na verdade, as intenções são bem diferentes e muito menos dignas. E é nesse aparente momento de maior vulnerabilidade, que ela se mostra de verdade.

Falando assim, parece que a Cassie tomou para si apenas um rótulo genérico de justiceira, mas é muito mais do que isso. Existe uma autenticidade tão dolorosa, tão arrasadora por trás da personagem que Cassie interpreta nessas saídas noturnas, que é quase inacreditável quando percebemos o quão diferente (e incrível) ela é, quando pode agir como ela mesma.

Tida como uma das melhores alunas de medicina de sua turma – curso que não foi concluído, justamente pelos tais fatos graves já citados – a personagem tem uma inteligência que caminha lado a lado com sua capacidade de manter-se tão sã quanto possível, diante de tantas figuras que não hesitariam em fazer-lhe mal, caso ela de fato estivesse incapacitada de se defender.

Conforme a narrativa avança, torna-se mais difícil não sentir o estômago revirar ao pensar em quantos casos semelhantes acontecem na vida real, a cada dia, em tantos pontos distintos do mundo. É terrível imaginar que, embora conte uma história fictícia, o longa carrega tanta verdade em várias de suas sequências, que não facilitam a tarefa de mostrar alguns dos piores lados que um ser humano pode ter.

Com constantes reviravoltas durante seus 108 minutos de duração, “Bela Vingança” ainda consegue o feito de entregar uma das melhores conclusões dos últimos tempos. Os momentos finais apresentam tantas emoções juntas que, quando os créditos começam a aparecer na tela, não há muito a ser dito ao colega da cadeira mais próxima, e um momento de reflexão (muito necessário, aliás) acaba acontecendo de maneira bastante natural, fazendo até mesmo com que algumas lágrimas rolem sob a máscara que cada espectador deve usar nessa época de pandemia.

Merecedor de cada um dos prêmios conquistados até o momento, o suspense dramático ainda se destaca por sua trilha sonora maravilhosa – que inclui “Angel of the Morning”, de Juice Newton e uma versão surpreendente de Anthony Willis para “Toxic”, grande sucesso de Britney Spears – e chega aos cinemas brasileiros após vários adiamentos devido à pandemia de Covid-19, deixando sua marca entre as grandes produções da indústria cinematográfica atual.

Imperdível.

por Angela Debellis

*Título assistido em Cabine de Imprensa promovida pela Universal Pictures.

Filed in: Cinema

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