Crítica: “Maria e João: O Conto das Bruxas”

Não é segredo que a essência de boa parte dos contos de fadas clássicos não é exatamente das mais amáveis. Nos textos originais, há atos condenáveis que, com toda razão, foram suprimidos nas versões que ganharam a atenção do grande público, inclusive, das crianças.

Na nova interpretação que chega aos cinemas, não há uma chamativa casa feita de doces, tampouco uma trilha de migalhas de pão para reencontrar o lar. Em “Maria e João: O Conto das Bruxas” (Gretel and Hansel), os dois irmãos se veem diante de um perigo com ares mais soturnos e resultados devastadores.

Vivendo em uma época de intensa miséria, e após a morte de seu pai, a adolescente Maria (Sophia Lillis) é expulsa de casa pela mãe – cuja razão se perdeu quando ficou viúva -, ao lado do pequeno João (Sammy Leakey), seu irmão caçula. Sem ter onde ficar, a dupla sairá a ermo pela floresta, a fim de encontrar abrigo.

É nesse cenário que surgem os demais personagens da trama: primeiro, um caçador de aparência austera (Charles Babalola), que dará aos irmãos uma sábia orientação para procurarem o chamado povo da floresta, que não lhe negará provisões e segurança. Depois, a misteriosa figura de Holda (Alice Krige), à primeira vista, uma solitária senhora que acolherá os protagonistas em troca de companhia e trabalho.

Se na versão mais popular do aclamado conto popularizado pelos Irmãos Jacob e Wilhelm Grimm, a tentação chega sob a forma de uma incrível moradia construída com os mais saborosos doces, no terror dirigido por Osgood Perkins e roteirizado por Rob Hayes, o que serve como atração é a possibilidade real de ter encontrado um porto seguro após anos de penúria e tristeza.

Mas, este não seria um título de terror se as coisas caminhassem de maneira tão singela. E é quando a abundância vista dentro da casa da “gentil senhora” torna-se perceptível à Maria, que a ação começa de fato, afinal, não há nenhuma explicação plausível para que a mesa seja sempre farta, enquanto os arredores não dispõem do mínimo necessário para sobrevivência.

A mudança comportamental e física da antagonista é mostrada paulatinamente, até o ponto em que fica explícito ao público e à jovem, o que de fato está acontecendo. Ao colocar Maria como o principal nome da narrativa, o filme ganha um ar novo, ainda que a história já tenha ganhado incontáveis adaptações, inclusive nos cinemas. O foco na personagem possibilidade uma releitura que prende a atenção do início ao fim.

Por ser retratado como um menino de menos idade (cerca de oito anos, no máximo), João ainda possui aquela aura de inocência que faz com que as crianças permaneçam crendo em coisas que, quando analisadas de maneira correta, não fazem sentido algum, o que o tira do centro na maior parte do tempo.

Embora seja muito coerente com o que nos é apresentado, a iluminação do longa pode incomodar parte do público. Mesmo em cenas que exigem a visualização de mais detalhes – como a que inclui a preparação de um banquete – a baixa luminosidade continua dando o tom, mas ainda assim, o visual mais lúgubre funciona de modo geral.

Com a riqueza literária que forma o universo dos contos de fadas, seria no mínimo interessante ver outras histórias contadas sob essa ótima menos otimista e mais sinistra. Quem sabe “Maria e João: O Conto das Bruxas” não tenha aberto a porta a essas possibilidades no futuro?

Vale conferir.

por Angela Debellis

*Filme assistido durante Cabine de Imprensa promovida pela Imagem Filmes.

 

Filed in: Cinema

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