Crítica: “Vidas Passadas”

In-Yun. Palavra em coreano, que representa um conceito, provavelmente, budista. Nora Moon, a protagonista de “Vidas Passadas” (Past Lives), explica para outros personagens – e para os espectadores – que, segundo essa concepção, quando duas pessoas se encontram e estabelecem um vínculo estreito é porque em vidas anteriores, elas atravessaram diversas camadas até chegar a esta nova situação. Se um homem e uma mulher se casam é porque passaram 8.000 camadas. É a união máxima.

Este estranho e, simultaneamente, encantador relato explicado a dois homens por Nora (representada de modo excelente pela atriz Greta Lee), é central em “Vidas Passadas”. Embora tenha diversas aproximações no seu percurso, há uma que lhe oferece um novo ângulo, algo surpreendente, engenhoso e até divertido. Vale conferir na exibição.

As imagens se abrem com uma primeira cena bem interessante. Como dizíamos, Nora está conversando com dois homens, em um bar. Além da fala, o expressivo rosto da protagonista vai mudando e seus olhos denotam, com um leve fechar-se, que há paixão. (Não é casual, pois, algo similar vai ser representado por Greta Lee em outra cena; aliás, em várias).

Assim, nasce para o espectador o relato cinematográfico de praticamente uma autobiografia de Celine Song, a coreana-canadense diretora e roteirista, debutante em cinema. A história apresenta idas e voltas: ora do presente ao passado (12 e 37 anos antes), ora geograficamente, da América do Norte para Seul (Coreia do Sul).

Naquele lugar e época, quando Nora e Jung Hae Sung (interpretado por Teo Yoo), um coleguinha, se conheceram quando crianças, estabelecem um vínculo de proximidade. Porém, os pais de Nora, por motivos profissionais, decidem mudar-se para o Canadá. Isso, embora a mãe saiba que, quando se deixa um lugar “algo se perde, mas também, algo se ganha”. A menina assume como própria a decisão, e a família parte.

Passados os anos, com Nora já morando em Nova Iorque, o contato com Hae Sung reaparece e, ainda que só via Internet, comove os dois jovens. Depois de diversas tentativas e com o passar de mais anos, finalmente se reencontram pessoalmente.

Embora Nora esteja casada com outro homem, Arthur Zaturansky (John Magaro), e Hae Sung com outra mulher (mas isso resulta bastante secundário), os vínculos passam a ter direções diversas e ocorre o que tipicamente a psicologia define como conflitos interiores, onde os aspectos anímicos chocam com o exterior. Isto é: o que se quer, bate com o que se pode, ou se deve. A partir daí, o filme se agiganta e o espectador vai acompanhar esses confrontos com empatia.

O tempo fez adultos aqueles que se conheceram na infância e, posteriormente, as culturas envolvidas têm idiomas e costumes que resultam muito diferentes. Tudo se entrelaça de modo complexo e apaixonado, atingindo a relação da protagonista com seu ex-coleguinha Hae Jung e com seu atual esposo, Arthur.

Na questão cultural, os idiomas têm um papel importante: o atual e absolutamente necessário inglês “briga” com o coreano, no qual ela até sonha – o que é bem relevante e revelador psicologicamente. Diante de tudo isso, é bem provável que cada espectador se posicione de diversas formas e quem viveu (ou vive) como imigrante, o faça de maneira especialmente projetiva. Contudo, no final, as sensações e os sentimentos devem ser similares em toda a plateia.

Tecnicamente, o filme não tem grandes elaborações. Merece destaque a música de Daniel Rossen e Christopher Bear e algo da correta edição de Keith Fraase. Mas o forte, sem dúvida, é o próprio relato.

De todas as maneiras, aparecem algumas imagens bem sugestivas. Por exemplo, quando as crianças se separam em seus caminhos ao voltar do colégio para suas casas: a menina sobe por uma escada e o menino continua por um caminho praticamente plano.

Isto poderia sugerir o caminho reservado aos dois: Nora partir para América, um lugar eventualmente superior na sua vida; e Hae Sung continuar na mesma situação, na Coreia. Assim como devem ser apontadas simetrias como a de ambos dentro de um carro, e logo a de Hae Sung deslocando-se também dentro de um carro, primeiro no seu país e depois em outro veículo nos Estados Unidos.

Diferente do cinema ocidental, no qual a paixão pelo geral é mostrada de forma bastante explícita, “Vidas Passadas” segue a tradição oriental de ser mais discreto e não apresenta grandes manifestações de amor, nem sequer as básicas.

Contudo, o filme tem elementos suficientes para torná-lo vencedor de cinco Globos de Ouro e candidato em duas categorias do Oscar: Melhor Filme e Melhor Roteiro Original. É sensível; humano, no sentido de captar encontros e desencontros, dúvidas, lutas, ganhos e perdas; romântico (drama romântico, não comédia romântica ou comédia-drama). Desperta sentimentos e emociona, em especial no final. Faz refletir sobre as decisões que tomamos diretamente ou as que se impõem por meio das circunstâncias, que não soubemos, ou não poderíamos calcular. Belo filme, “Vidas Passadas”.

por Tomás Allen – especial para A Toupeira

*Título assistido em Cabine de Imprensa promovida pela California Filmes.

 

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